sábado, 8 de agosto de 2020

Assim Caminha A Humanidade

Pioneiro de muitos artifícios narrativos e técnicos empregados durante a Velha Hollywood, o diretor George Stevens foi autor de uma informal ‘trilogia da América’, que albergava os clássicos por ele dirigidos, “Os Brutos Também Amam” e “Um Lugar Ao Sol”.
Coube ao monumental “Assim Caminha A Humanidade” a tarefa de encerrar tal trilogia –e o adjetivo ‘monumental’, neste caso, pode ser empregado nos mais variados ângulos: No escopo ambicioso do filme (não obstante sua trama conter fortes elementos de melodrama), no trato épico e espetacular dado às suas imagens, e na reunião de profissionais, a frente e atrás das câmeras, que respondem pelo que Hollywood, à época, tinha de melhor a oferecer.
Adaptado do best-seller de Edna Ferber, uma epopéia familiar e ao mesmo tempo uma ode ao Texas, a obra, outrora considerada impossível de ser vertida para cinema, começa quando o jovem rancheiro texano Bick Benedict (Rock Hudson) vai à uma fazenda em Washington disposto a negociar a compra de um garanhão, mas termina desposando a filha de seu vendedor, a jovem e impetuosa Leslie Lynton (Elizabeth Taylor), tirando-a do noivo (uma rápida ponta de Rod Taylor, de “Os Pássaros”).
Levada para Reata, a fazenda da família de Bick, no Texas, Leslie toma conhecimento de toda forte tradição que norteia a vida de seu marido e de sua irmã Luz (Mercedes McCambridge, de “Johnny Guitar”), quem então gerenciava com mão-de-ferro o local.
Diferente de seu irmão, Luz nutre certa simpatia pelo jovem e impulsivo funcionário Jett Rink (James Dean, em seu último trabalho antes da morte precoce por acidente), e assim como ele, trata com arraigado desprezo os empregados de origem latina.
Leslie chega com ideias progressivas que representam uma fagulha, ainda que tênue, dos novos tempos que virão: Para ela, os empregados merecem o mesmo respeito dirigido às outras etnias, e ela choca seu marido e os coronéis locais disponibilzando os serviços médicos da alta sociedade para seus funcionários adoecidos; assim como também, ela não pestaneja em expressar inconformismo quando seu marido e outros homens insistem que assuntos envolvendo negócios e política são exclusivamente ‘para homens’.
Eventualmente acirrado por esses atritos de ideologia, o casamento de Bick e Leslie segue emoldurado pelas transformações de natureza dramática, como o falecimento trágico de Luz, ou mudanças inerentes de um novo tempo que chegava; como quando Jett (que herdara um pedaço de terra que Luz lhe havia concedido) descobre petróleo após longos anos de insistência e, de empregado miserável, converte-se em milionário.
As trajetórias de Bick como patriarca diante dos novos conceitos e de Jett perante uma espécie de dissolução moral transcorrem paralelamente –e, por meio delas, Stevens se presta a avaliar e a entender o leque de mentalidades que moldou a sociedade norte-americana no Século XX.
A segunda parte das nada modestas três horas e vinte e um minutos de duração de “Assim Caminha A Humanidade” trata de narrar os contratempos que Bick e Leslie enfrentam quando seus filhos crescem. São eles: Os gêmeos Jordan (Dennis Hopper, ainda bem jovem) e Judy (Fran Bennett), e a caçula Luz (Carroll Baker).
Jordan, indo de encontro aos anseios do pai, quer formar-se médico ao invés de seguir a frente dos negócios de criadores de gado da família; já Judy, ao contrário das expectativas da mãe, não deseja ir estudar numa escola requintada na Suíça, mas, cursar a universidade agrícola e ser fazendeira; por sua vez, Luz, numa ironia poética, alimenta pelo já envelhecido e decadente (mas, certamente podre de rico) Jett, um fascínio similar ao que sua tia de mesmo nome também teve no passado.
Com efeito, a direção de Stevens também justapõe as maneiras divergentes com as quais, por fim, Bick e Jett reagem às transformações: Bick, sempre turrão e antiquado, vai cedendo aos poucos, ante novidades como o casamento de Jordan com uma jovem mexicana; já, Jett –um tanto assolado pela frustração perene de não ter seu amor por Leslie correspondido –deixa-se tragar pela imoralidade da riqueza, ostentando apatia e desdém por outrem; um reflexo da tardia conclusão de que a riqueza que passou tanto tempo almejando não lhe trouxe qualquer felicidade.
A direção de Stevens (ganhadora do Oscar 1957) mescla técnicas surpreendentemente modernas (como as ‘dolly’ que Spielberg no futuro iria usar a abusar) com posturas narrativas tradicionalistas do seu período, obtendo um resultado sólido enquanto drama que, justamente por sua convicção, pode não agradar plateias ávidas por ritmos vertiginosos.
Um tratado poderoso contra a intolerância na observação arguta da gênese de inevitáveis choques étnicos que viriam a aflorar nos EUA na segunda metade do Século XX, “Assim Caminha A Humanidade” usa de uma trajetória folhetinesca, ainda que pincelada por acabamento épico (não são raras as cenas em que os personagens se perdem na imensa aridez de uma paisagem vasta), para falar sobre a corrupção do dinheiro, a possibilidade conciliatória de embates filosóficos e políticos e a desenvoltura ocasionalmente exigida na vida em família.

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