domingo, 9 de agosto de 2020

Amor Em Chamas

Em 1979, o público ainda absorvia a apreciação de ver Harrison Ford no papel de Han Solo, no bem-sucedido “Star Wars”. Trabalhos que vieram a consolidar seu status como astro, tais quais “Caçadores da Arca Perdida” ou “Blade Runner” ainda não haviam sido feitos –e mesmo a continuação de “Star Wars”, “O Império Contra-Ataca” só chegaria às telas de cinema no ano seguinte –assim sendo, soava quase audacioso colocar Harrison Ford como um galã romântico num filme de guerra feito à moda antiga; no entanto, esse detalhe termina sendo deveras a maior audácia deste singelo trabalho do diretor e também roteirista Peter Hyams (de "Timecop-O Guardião do Tempo", com Van Damme), indo na mais absoluta contra-mão das tendências criativas de sua época (na qual estava em voga um experimentalismo autoral, forte característica da Nova Hollywood), o filme de Hyams almeja recuperar um estilo tradicional de filme antigo, onde se percebe com clareza a inspiração maior de “Casablanca”.
E como na obra de Michael Curtiz é em torno de um amor impossível –e de impossibilidades diretamente relacionadas aos desdobramentos da guerra –que respira a sua premissa.
Também esse esmero antiquado e propositadamente anacrônico se nota na reconstituição de época: Já na primeira cena, salta aos olhos o capricho na cenografia a recriar a Hanover Street (título original do filme, à propósito), em Londres, onde boa parte da primeira metade da trama se passará..
Ao tentar pegar um lugar num ônibus londrino, o personagem de Harrison Ford se envolve numa graciosa disputa com a personagem da bela Lesley-Anne Down (de “A Nova Transa da Pantera Cor-de-Rosa” e “Delírios Mortais”); ambos perdem a carona e acabam tomando um chá. Ele é piloto da Força-Aérea Norte-Americana. Ela é enfermeira.
Ali mesmo, quando ainda titubeiam na atração recíproca recém-descoberta, eles testemunham um bombardeio inimigo que arrasa boa parte da Hanover Street, e as emoções intensas de escapar da morte por um triz marcam o início da relação.
A cada quinze dias, ele, cujo nome é David Halloran, recebe uma folga, durante a qual se encontra com ela, cujo nome é Margaret Sellinger.
Ela é casada, no entanto, experimenta com Halloran, uma paixão que jamais conhecera.
Ele é (ou era) impulsivo, corajoso, inconsequente até; agora, porém, que tem alguém para quem voltar, Halloran começa a experimentar o inédito sentimento do medo de morrer em combate –temor que ele passa a compartilhar com seus colegas de avião, seu co-piloto Tnt. Hyer (Michael Sacks, de “Louca Escapada” e “Matadouro 5”) e seu bombardeiro Tnt. Cimino (Richard Masur, de “Sem Licença Para Dirigir”).
Nas intenções bem claras expostas pelo trabalho de Peter Hyams notamos o cinema à moda antiga que ele busca em “Amor Em Chamas”: Seu roteiro peca por diálogos assolados por redundâncias, mas ele parece até mesmo ciente disso. Seu empenho real se enxerga na direção e no clima de romantismo onipresente que evoca, aproveitando o belo par formado por Harrison Ford e Lesley-Anne Down, a trilha sonora dramática e melodiosa de John Barry e os esforços admiráveis da direção de arte, do figurino e demais departamentos cenográficos –em meio aos quais a produção encontra seus mais hiperlativos méritos.
Como consequência, para efeitos de desenlace, o filme de Hyams vai confrontando seus amantes protagonistas com as injustas ironias do destino à medida que caminha da primeira para a segunda metade: Como forma de compensar uma missão da qual desistiu no último minuto (escapando assim da morte certa), Halloran e seu grupo são pressionados a aceitar uma missão diferenciada envolvendo os esforços da Contra-Inteligência Britânica, na qual deverão sobrevoar a cidade de Lyons, na França Ocupada, e nela deixar um agente disfarçado de oficial alemão. O agente em questão é Paul Sellinger (o sempre digno Christopher Plummer), o próprio marido de Margaret (!).
Quando o avião é alvejado e destruído, e praticamente toda tripulação, morta, restam apenas Halloran e Sellinger vivos para completar a missão que inclue adentrar o posto de comando nazista a fim de roubar documentos –e nesse processo, cada esquina reserva uma ameaça às suas vidas.
Diante desse detalhe, Margaret tem, portanto, que se preocupar em dobro: Com a vida do marido e pai de sua filha pequena (Patsy Kensit, de “Máquina Mortífera 2”); e com a vida do homem que ela ama, ambos reunidos na mesma e perigosa situação –embora a direção e o roteiro de Hyams, por razões que só podem ser explicadas pela falta de timing, protele em demasia o momento em que tal informação chegue até ela.
Previsível até a medula (quem assistiu diversos outros filmes a girar sobre esse tema consegue adivinhar as cenas chegando à quilômetros de distância!), o filme de Peter Hyams parece ser feito para um público fidedigno desse gênero específico, apreciador de tramas românticas com desenvolvimento e conclusão pré-estabelecidos em seus expedientes, de um charmoso filme de espionagem que já faz parte do passado, de diálogos cheios de obviedades e juras de amor e de intoxicante predisposição ao melodrama. A esses expectadores –e somente a eles –“Amor Em Chamas” agradará plenamente as expectativas.

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