sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

As Aventuras do Capitão Blood


 Se ocorrer uma sensação de equívoco ao perceber que este Capitão Blood não traz o rosto de Errol Flynn a interpretá-lo –em lugar dele, há um galante e quase rechonchudo Louis Hayward –não se preocupe: Realmente, houve um “Capitão Blood”, dirigido por Michael Curtiz, estrelado por Errol Flynn e Olivia de Havilland, anterior a este filme do qual ele é uma espécie de continuação; fala-se o tempo todo do ato rebelde do ex-médico irlandês Peter Blood em atender prisioneiros doentes, boa ação que lhe rendeu a prisão e o empurrou à vida de pirataria. Basicamente, a trama do filme com Errol Flynn.

No entanto, o personagem não é, deveras, estranho ao público de cinema daquela primeira metade do Século XX: Adaptado dos livros românticos de Rafael Sabatini, o primeiro “Capitão Blood” era ainda um filme mudo estrelado por J. Warren Kerrigan e dirigido por David Smith em 1924 –e, depois deste filme, o próprio Hayward tornaria a reprisar o personagem em “O Capitão Pirata”, de 1952.

Realizado em 1950, quinze anos depois do filme com Errol Flynn, este “As Aventuras do Capitão Blood” vale-se desse personagem para retomar a tradição do capa & espada, de fortíssimo apelo junto ao público. Se a direção de Michael Curtiz impunha elegância e refinamento, definindo muito dos arquétipos que o sub-gênero passou a ostentar, o trabalho de Gordon Douglas (de “Barquero” e “Nenhuma Mulher Vale Tanto”) corre atrás do anacronismo procurando tornar dinâmico seu repertório de elementos para um público já um tanto distinto: Entre os dois filmes, a Segunda Guerra Mundial havia se sucedido, e a sociedade, o mundo e o próprio cinema começavam, aos poucos, a experimentar transformações contundentes que chegariam com ainda mais força na década seguinte.

Essa circunstância de ‘fogo-cruzado’ torna “As Aventuras de Capitão Blood” uma obra assolada por sua posição ingrata num momento transitório de Hollywood: É uma obra de entretenimento, e como tal, entrega uma mistura homogênea, acertada e bem azeitada de aventura, romance, suspense e doses calibradas de comédia, embora também não faça nada que já não tenha sido feito com primor mais notório por realizadores de uma geração anterior, e para expectadores de uma geração anterior...

Assim sendo, o que vemos é a rotina  audaciosa do Capitão Peter Blood que, a bordo do “Avenger”, junto de sua tripulação de piratas, singra os mares, pilhando embarcações e fornecendo cada vez mais relatos para sua lenda.

O homem mais interessado na captura do Capitão Blood é o Marquês de Riconete (George Macready, de “Gilda”, “Glória Feita de Sangue” e “Conde Yorga, Vampiro”) cujos serviços do calculista Sr. George Fairfax (Lowell Gilmore), quase resultam na sua captura –em vez disso, seis marujos de Blood são feitos escravos e despachados para a ilha sob o comando do Marquês.

Nem um pouco propenso a virar as costas aos homens tornados prisioneiros, Blood se arrisca numa ousada missão de resgate: Ele esconde seu navio numa enseada da ilha, e disfarçado de fruteiro segue para a cidade a fim de ludibriar as autoridades e escapar com todos os seus marujos para o mar aberto. Os planos de Blood são complicados por alguns personagens que cruzam em seu caminho, sobretudo, a jovem Pepita (Dona Drake), mocinha espevitada e voluntariosa da região que se torna uma aliada nas tentativas de enganar o asqueroso capataz (Alfonso Bedoya, de “O Tesouro de Sierra Madre”), e a bela Isabelita (Patricia Medina, de “Pergaminho Fatídico”), sobrinha do Marquês e objeto de desejo de Fairfax –desejo este repelido, uma vez que o Marquês não suporta ingleses –que termina, também ela, se tornando um importante auxílio aos estratagemas de última hora engendrados por Blood.

Frenético e sem maiores pretensões além de oferecer um bom passatempo ao seu público, “As Aventuras do Capitão Blood” ganhou um ingrato esquecimento com o passar dos anos, ofuscado pelo reconhecimento mais justificado do filme com Errol Flynn e ignorado por seu lançamento comercial (ainda que de satisfatória bilheteria) num período em que filmes relevantes de fato miravam em novas ambições temáticas e narrativas ao invés de vasculhar os expedientes de sempre em aventuras do passado.

Revê-lo hoje, despido dessas infelicidades circunstanciais, é poder apreciar sem intervenções indiretas uma obra de cinema polida com profissionalismo e feita com o transparente objetivo (plenamente conquistado) de encantar o público.

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