segunda-feira, 22 de março de 2021

Os Embalos de Sábado Continuam


 Lá pelos idos de 1982 e 83, dando asas ao seu ímpeto realizador por detrás das câmeras, o astro Sylvester Stallone surpreendeu a indústria do cinema ao assumir a co-produção, o co-roteiro e a direção da inesperada continuação de “Os Embalos de Sábado À Noite”.

Há muito o que se falar de “Os Embalos de Sábado Continuam”, todavia, se trata-se de algo bom a ser falado... isso já é outra história: Não obstante o fato de ciscar numa trama que já se sustentava sozinha, e cujos começo, meio e fim estavam bem definidos e determinados naquele filme, Stallone, ao assumir as rédeas de uma pouco justificada continuação criou uma contraparte monstruosa do filme anterior: Se “Embalos de Sábado À Noite” era um honesto retrato de celeumas e percepções sociais dos anos 1970, “Embalos de Sábado Continuam” envereda por um retrato do excesso luxuriante, colorido e brega dos anos 1980. E, na caracterização desse painel, Stallone exagera em tudo e por tudo, indicando plenamente alguns dos revezes que sempre definiram seu irregular processo criativo.

Num início que remete alguns dos elementos mais vulgares e afetados de “O Show Deve Continuar”, de Bob Fosse –as apresentações de dança erotizadas ao máximo, o clima competitivo e decadente dos bastidores –o filme mostra, em tom quase de videoclip, a nova rotina de Tony Manero (John Travolta), cinco anos após os acontecimentos do primeiro filme, depois que ele se decidiu por deixar a casa da família no Brooklyn e tentar a sorte em Manhattan: Tony almeja brilhar na Broadway como dançarino e, para tanto, submete-se à árduas audições enquanto se reveza entre aulas de danças e sub-empregos em danceterias da madrugada.

Fã do primeiro filme, Stallone, que foi convidado a dirigir o projeto pelo produtor e pelo roteirista do filme original (respectivamente, Robert Stigwood e Norman Wexler) e pelo astro Travolta, exibe um interesse genuíno em poder conduzir os prolongamentos dramáticos dessa nova fase da vida de Tony –para quem Travolta oferece uma atuação desta vez mais carregada em maneirismos de sangue quente latino –e isso é o melhor que se pode falar do filme; pois, como diretor e roteirista, Stallone involuntariamente caminha na direção do banal. O filme, tão ambicioso nas suas entrelinhas, no retrato implacável que parece fazer do processo seletivo nos palcos da Broadway e da difícil vida dos assalariados e aspirantes ao estrelato na Grande Maçã, no decurso de sua própria premissa acaba por enfatizar tão somente o triângulo amoroso ao qual a trama termina por restringir-se.

No rumo algo prepotente de seus sonhos, Tony conhece a rica e arrogante Laura (Finola Hugues), bailarina cheia de contatos e regalias que, ele sabe, pode ser seu passaporte mais rápido para brilhar na ribalta. A atração de Tony por ela é genuína, mas suas segundas intenções são igualmente aparentes; enquanto que Laura dá corda aos devaneios narcisistas de Tony, ao mesmo tempo que deixa ele (e o público) indeciso quanto à sua índole.

De outro lado, Tony tem uma ‘amiga especial’, a adorável, paciente e disponível Jackie (Cynthia Rhodes, da ficção “Runaway-Fora de Controle”), com quem ele poderia até namorar, não fossem suas próprias vaidades a impedir que o relacionamento avance.

É maniqueísta a forma com que esse triângulo amoroso é tratado: Laura é sensual e diabólica –e assim é retratada na apresentação teatral que se sucede no clímax –enquanto que Jackie é bondosa, compreensiva e angelical; características que soam tão improváveis nela quanto inverossímeis na outra! Resta ao Tony Manero de John Travolta oferecer um registro humano mais coerente ao qual o expectador possa se ancorar, no entanto, Travolta não se acha, aqui, tão inspirado quando no filme anterior. Na verdade, tanto seu astro principal como o elenco coadjuvante como um todo (em especial, a descontrolada Finola Hugues), seja pela forma como são dirigidos, seja pelos diálogos que o roteiro lhes constrói, oferecem atuações que espelham completamente alguns arroubos artificiais que o próprio Stallone exibiu em suas performances.

O resultado é um filme de estilo tão duvidoso quanto espalhafatoso, que perde-se por completo a partir de determinado ponto ao trocar quase involuntariamente seus objetivos iniciais –de retratar a busca de um lugar ao sol, sob o prisma do fervilhante showbuziness –por clichês compulsivos que representam o lado mais obscuro, afetado e excessivo da década de 1980.

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