quarta-feira, 7 de julho de 2021

The Paperboy


 “Obsessão” –título nacional genérico e preguiçoso –é uma adaptação do livro de Pete Dexter feita para acomodar-se ao estilo do diretor Lee Daniels. Leia-se: Uma exposição sistemática, simultânea e convulsiva da sordidez humana em suas expressões diversas e palpáveis. Se em “Preciosa”, Daniels foi capaz de equilibrar esse olhar ultrajante e degradante das mais denegridas mazelas sociais com coerência narrativa e solidez dramática –feito que lhe valeu várias indicações ao Oscar –em “Obsessão” (ou “The Paperboy”) esse cardápio compromete um pouco o sabor do prato, embora ele ainda faça cinema relevante e digno de nota.

Cheio de maneirismos narrativos que incrementam seu filme, mas que no final revelam-se vazios (como a narração em off da atriz e cantora Marcy Gray, coadjuvante do filme), a trama regressa até o ano de 1969, numa pequena cidade do sul da Flórida, imersa em racismo e violência latente, onde um xerife intolerante é assassinado dando o estopim de toda a história. O condenado foi o morador do pântano, matuto e psicótico Hillary Van Wetter (John Cusack, asqueroso) que logo começa a trocar cartas com a abilolada Charlotte Bless (Nicole Kidman, em formidável atuação).

Jovem desiludida e inadvertidamente sexy, Charlotte nutre o péssimo hábito de ser atraída por homens que representavam a escória da humanidade –e nesse sentido, Hillary era exemplar. Em suas correspondência –ele, cumprindo pena no presídio –Charlotte e Hillary marcam casamento e ela assume a missão de inocentá-lo, crente de que não cometeu o crime. Detalhe: Hillary se encontra a poucas semanas da execução na cadeira elétrica.

Eis que entram em cena, portanto, os personagens principais do filme: Os Irmãos Jansen.

Moradores do local, eles são o jornalista Ward (Matthew McConaughey) e o jovem Jack (Zac Efron). Ward regressa para a cidade-natal que havia deixado levando o escritor negro e petulante Yardley (David Oyelowo, de “Selma”) à tiracolo, para tentar desencavar a possível inocência de Hillary, e com isso, obter uma reportagem bombástica.

Jack, por sua vez, ex-universitário, ex-campeão de natação, o fracassado da família em potencial, assume a função de motorista da dupla –e no processo de ir e vir, levando Ward, Yardley e Charlotte para o presídio, em sucessivos encontros com Hillary, Jack se apaixona por ela, atraído por sua sensualidade vulgar.

Trata-se, pois, de um apanhado peculiar de personagens no limiar de existências extremas, criando assim uma série de dinâmicas que abastecem os inúmeros gêneros que Lee Daniels se propõe a trabalhar: O suspense surge da investigação caótica e problemática de Ward e Yardley –pois, as testemunhas e os depoimentos que poderiam elucidar o caso, numa direção ou noutra, veem todos de moradores locais hostis, intratáveis, traiçoeiros e ardilosos –o drama aparece no retrato corrosivo do preconceito em seus mais nocivos aspectos, e na certeza do pleno potencial para o mal existente em cada ser humano –a medida que novas informações sobre o caso são levantadas, a inocência irônica de Hillary é, sim, ventilada, mas fica também patente a crueldade hedionda que ele próprio tem e que, posto em liberdade, haverá de praticar –o romance, por sua vez, vem da figura central e essencial de Jack (único personagem inteiramente ingênuo do filme, e portanto, os olhos do público) e da forma sem preconceitos que ele enxerga o objeto de seu desejo, Charlotte –efeito que Nicole Kidman obtém emprestando encanto verdadeiro a uma personagem complexa, porém contraditória, irritante, porém tocante, histriônica, porém no fim das contas, trágica.

Há ainda a faceta de comédia –ou seria de humor negro? –com a qual Lee Daniels parece filtrar tudo o que é registrado, numa forma de não mergulhar num marasmo caudaloso de comiseração o escárnio tão tremendo embutido no caracterizado ambiente (e nos habitantes desse ambiente).

Da forma como está, o filme conduz o expectador por meio dessas sucessões de eventos ora lastimáveis, ora conflituosos, conseguindo prender a atenção na maior parte do tempo, contudo, é inevitável que em algum momento ou outro, a narrativa desande para um caminho imprevisto e lamentável. São, afinal, almas humanas destinadas a chafurdar na lama do descaso e da fatalidade, aquelas que são colocadas no centro da atenção aqui, e não há como fazer o expectador escapar da sensação amarga e inerente de seus desfechos.

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