“Obsessão” –título nacional genérico e preguiçoso –é uma adaptação do livro de Pete Dexter feita para acomodar-se ao estilo do diretor Lee Daniels. Leia-se: Uma exposição sistemática, simultânea e convulsiva da sordidez humana em suas expressões diversas e palpáveis. Se em “Preciosa”, Daniels foi capaz de equilibrar esse olhar ultrajante e degradante das mais denegridas mazelas sociais com coerência narrativa e solidez dramática –feito que lhe valeu várias indicações ao Oscar –em “Obsessão” (ou “The Paperboy”) esse cardápio compromete um pouco o sabor do prato, embora ele ainda faça cinema relevante e digno de nota.
Cheio de maneirismos narrativos que incrementam
seu filme, mas que no final revelam-se vazios (como a narração em off da atriz
e cantora Marcy Gray, coadjuvante do filme), a trama regressa até o ano de
1969, numa pequena cidade do sul da Flórida, imersa em racismo e violência
latente, onde um xerife intolerante é assassinado dando o estopim de toda a
história. O condenado foi o morador do pântano, matuto e psicótico Hillary Van
Wetter (John Cusack, asqueroso) que logo começa a trocar cartas com a abilolada
Charlotte Bless (Nicole Kidman, em formidável atuação).
Jovem desiludida e inadvertidamente sexy,
Charlotte nutre o péssimo hábito de ser atraída por homens que representavam a
escória da humanidade –e nesse sentido, Hillary era exemplar. Em suas
correspondência –ele, cumprindo pena no presídio –Charlotte e Hillary marcam
casamento e ela assume a missão de inocentá-lo, crente de que não cometeu o
crime. Detalhe: Hillary se encontra a poucas semanas da execução na cadeira
elétrica.
Eis que entram em cena, portanto, os
personagens principais do filme: Os Irmãos Jansen.
Moradores do local, eles são o jornalista Ward
(Matthew McConaughey) e o jovem Jack (Zac Efron). Ward regressa para a
cidade-natal que havia deixado levando o escritor negro e petulante Yardley
(David Oyelowo, de “Selma”) à tiracolo, para tentar desencavar a possível
inocência de Hillary, e com isso, obter uma reportagem bombástica.
Jack, por sua vez, ex-universitário, ex-campeão
de natação, o fracassado da família em potencial, assume a função de motorista
da dupla –e no processo de ir e vir, levando Ward, Yardley e Charlotte para o
presídio, em sucessivos encontros com Hillary, Jack se apaixona por ela,
atraído por sua sensualidade vulgar.
Trata-se, pois, de um apanhado peculiar de
personagens no limiar de existências extremas, criando assim uma série de
dinâmicas que abastecem os inúmeros gêneros que Lee Daniels se propõe a
trabalhar: O suspense surge da investigação caótica e problemática de Ward e
Yardley –pois, as testemunhas e os depoimentos que poderiam elucidar o caso,
numa direção ou noutra, veem todos de moradores locais hostis, intratáveis,
traiçoeiros e ardilosos –o drama aparece no retrato corrosivo do preconceito em
seus mais nocivos aspectos, e na certeza do pleno potencial para o mal
existente em cada ser humano –a medida que novas informações sobre o caso são
levantadas, a inocência irônica de Hillary é, sim, ventilada, mas fica também
patente a crueldade hedionda que ele próprio tem e que, posto em liberdade,
haverá de praticar –o romance, por sua vez, vem da figura central e essencial
de Jack (único personagem inteiramente ingênuo do filme, e portanto, os olhos
do público) e da forma sem preconceitos que ele enxerga o objeto de seu desejo,
Charlotte –efeito que Nicole Kidman obtém emprestando encanto verdadeiro a uma
personagem complexa, porém contraditória, irritante, porém tocante,
histriônica, porém no fim das contas, trágica.
Há ainda a faceta de comédia –ou seria de humor
negro? –com a qual Lee Daniels parece filtrar tudo o que é registrado, numa
forma de não mergulhar num marasmo caudaloso de comiseração o escárnio tão
tremendo embutido no caracterizado ambiente (e nos habitantes desse ambiente).
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