quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Palavras Que Borbulham Como Refrigerante


 Embora seu traço seja de uma característica mais rudimentar que o de realizações tecnicamente primorosas como aquelas concebidas pelo Studio Ghibli, este trabalho do animador Kyohei Ishiguro, produzido pela Netflix traz em profusão aquela sensibilidade que tanto diferencia as animações japonesas das animações do resto do mundo.

Sua trama versa sobre questões amorosas cuja vulnerabilidade e fragilidade humana de seus personagens frequentemente são incapazes de superar. Seus protagonistas são jovens de personalidades construídas para serem quase diametralmente opostas: Em princípio, o jovem apelidado Cerejinha, rapaz escritor que compõem poemas haiki e trabalha com idosos numa instituição de um shopping. Há também, a garota chamada de Sorrisinho, em parte devido aos dentes proeminentes que ela tem –como a Mônica de Mauricio de Souza, uma homenagem, quem sabe –e que a levam a usar uma máscara (daquelas que, nesses tempos de pandemia, se tornaram muito comuns). Ainda assim, Sorrisinho é extrovertida e tem até um canal de videos onde recebe muitas curtidas.

Se Sorrisinho esconde o próprio rosto o tempo todo; Cerejinha usa fones –que o distanciam das outras pessoas, impedindo-o de compartilhar com elas a mesma cacofonia.

Sorrisinho olha para cima todo o tempo, sempre pronta a se entusiasmar com qualquer coisa; Cerejinha anda sempre cabisbaixo, incapaz de lidar com sua timidez avassaladora. Essas duas almas tão díspares são aquelas que a premissa se propõe a reunir: Logo no início, após uma trombada, eles trocam sem querer os celulares e, durante esse curto tempo, compartilham as idiossincrasias e as essências de cada um. A partir de então, uma sincronia improvável se estabelece: Eles passam a se identificar nos lugares em que se encontram e, de uma forma um tanto hesitante (e, por isso mesmo, encantadora) começam a se aproximar.

A trama que os une acaba sendo a que envolve um dos idosos cuidados por Cerejinha. Já sem memórias, ele perambula em busca de um LP perdido que, segundo ele, poderia lhe restaurar as lembranças. Ao longo de suas investigações, Cerejinha e Sorrisinho descobrem que a cantora do dito LP foi a esposa do idoso, e que ela tinha dentes proeminentes como a própria Sorrisinho.

Concebido com delicadeza, típica da animação japonesa, “Palavras Que Borbulham Como Refrigerante” é poético e arrojado na forma como retrata relacionamentos modernos –definidos pela conectividade das ferramentas digitais –sem, no entanto, prescindir do romantismo.

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