quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

A Vingança de Manon


 Ao lançar esta continuação seis meses depois de “Jean de Florette”, o diretor Claude Berri não consegue (e nem parece querer) disfarçar sua empolgação, seu deslumbre, com o fato de que era neste filme aqui que ele finalmente queria chegar. É em “A Vingança de Manon” que a trama de entrecruzadas linhas de causa e efeito imaginada por Marcel Pagnol (concebida como um apaixonado presente para sua esposa) finalmente atinge o seu auge, e é aqui também que finalmente aparece a personagem mais forte, estóica e vibrante de toda a história, a Manon já crescida em suas sedutoras formas de mulher, personificada nas curvas absolutamente apaixonantes de Emmanuelle Béart (vencedora do César de Melhor Atriz em 1986).

Cerca de dez anos se passaram desde os eventos mostrados em “Jean de Florette”. Após a morte acidental de Jean, transcorridos todos os aborrecimentos acarretados pela falta de água em sua fazenda, os Soubeyran se tornaram donos da propriedade e, com isso, desbloquearam a nascente de água que sempre esteve debaixo do nariz do inocente Jean. Com isso e com a abundância de água proporcionada pela nascente mesmo na região árida de Provença, Ugolin (Daniel Autieul) e sua plantação de cravos prosperaram. Para seu tio, o carrancudo Papet (Yves Montand), só resta uma lacuna a ser preenchida para sua satisfação estar completa: Ver Ugolin, seu único parente no mundo, casar-se e perpetuar a linhagem dos Soubeyran.

Mas, eis que existe também a jovem e linda Manon (Emmauelle Béart, uma aparição) que, após a morte do pai, Jean, e a partida de sua desiludida mãe, tornou-se uma humilde pastora de cabras pelas colinas da região. Manon sabe –e aos poucos vai adquirindo aqui e ali ainda mais informações a respeito –que os Soubeyran, Ugolin e Papet, traíram a confiança de seu pai, simplesmente para adquirirem sua fazenda. Entretanto, o que ela não sabe é que, pouco a pouco, Ugolin, que a vê fortuitamente pelas colinas (numa ocasião particularmente inebriante chega à flagrá-la nua tomando um banho de rio!) vai se apaixonar perdidamente por ela, passando a enxergar Manon, e somente ela, como a única eleita possível para ser a esposa que Papet tanto cobra dele.

O destino, contudo, levará Manon a encontrar, por puro acaso, a nascente principal de toda região –a fonte que leva a água à todas as demais nascentes das propriedades e ao vilarejo –uma localização desconhecida por todos. Manon, assim, bloqueia a fonte privando todos da água cristalina essencial à vida e castigando-os, portanto, pelos maus-tratos e pela discriminação que seu pai sofreu quando tentou se estabelecer naquele lugar.

A privação do bem precioso da água provoca notáveis efeitos na população: Eles clamam para Deus o retorno da água e logo concluem que trata-se do castigo para algum grande pecado que perpetraram, e com isso, não tardam a recordar do descaso sofrido por Jean de Florette e, em especial, da atitude mesquinha dos Soubeyran.

É aqui, neste brilhante “A Vingança de Manon” que o diretor Claude Berri enfim amarra magistralmente as pontas soltas de seu sublime trabalho: Ugolin é castigado com os severos revezes de um amor não correspondido, o povoado experimenta todo o sofrimento e as consequências da seca, do calor e da sede, em retribuição à toda sua discriminação retrógrada do filme anterior, e principalmente, é aqui que Papet será confrontado, primeiro, com as consequências punitivas de toda sua personalidade nada amistosa nem altruísta que guiou seus atos até então, e depois ainda descobrirá, numa formidável reviravolta final, que tudo poderia ter sido diferente, feliz e melhor se ele tivesse sido tão somente benevolente.

É difícil esmiuçar detalhes a respeito dos fascinantes percalços morais apresentados por “A Vingança de Manon”, sobretudo, em seu trecho final, sem correr o risco de revelar as genais guinadas dramáticas e novelescas de sua premissa. Fica, portanto, a minha recomendação deste trabalho esplêndido (hoje, injustamente pouco conhecido, mesmo do público cinéfilo mais recente), sem dúvida, um dos melhores filmes franceses de todos os tempos.

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