sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Cão Sem Dono


 Em seus primeiros filmes, os realizadores Beto Brant (diretor), Renato Ciasca (co-diretor) e Marçal Aquino (roteirista) tinham a seu favor uma exuberância narrativa que remetia a uma nova geração de contadores de história chegando com fôlego renovado ao panorama do cinema nacional, definido pelas diretrizes –algumas até discutíveis –da Retomada.

Passados os primeiros e efervescentes trabalhos, eles se deram ao luxo de relaxar e ostentar uma certa sensibilidade. Em “Cão Sem Dono”, de 2006, essa faceta até então improvável começa a se expressar.

É uma trama construída em torno de informações inconclusas e de possibilidades, elementos que incitam ao intimismo. Ciro (Júlio Andrade) é um jovem em busca de algum rumo na vida.

Abraça sua sensação de deslocamento e a sente com um ineditismo que ignora o fato de que muitos jovens da sua idade passam pelo mesmo.

Os dias e noites em seu apartamento são definidos por angústia existencial. Sabe-se lá como, um indivíduo tão pleno de insatisfação como esse atrai para si uma mulher maravilhosa: Marcela (Tainá Muller), que tenta ser sua companheira nessa estranha trajetória de busca sôfrega por identidade.

Na história de Ciro, Brant e Ciasca optam pelo clima de foco e contribuição de seus colaboradores; cada pessoa a frente e atrás das câmeras fornece um elemento ao filme, num encorajamento constante de improviso que lembra, em princípio, o processo criativo de John Cassavets –e o filme que terminamos vendo resulta desse esforço. Há trechos cheios de sinceridade –como o visivelmente improvisado interlúdio, cheio de emoção, entre Ciro e seu pai (Roberto Oliveira), num nostálgico passeio à praia –e todos (muitos) nos quais as metáforas idealizadas e planejadas pelos realizadores e sua insistência em manter muito de relevância de sua obra restrita em suas entrelinhas comprometem o resultado final.

Há sensibilidade em “Cão Sem Dono”, ponto forte em todas as obras de Brant e Ciasca, mas há também uma perigosa e prejudicial tendência à dispersão de um cinema presunçosamente artístico; entre o dilema de suas predisposições elitistas e a consciência de um cinema nacional melhor e mais contundente, eles ainda assim conseguem o mérito de realizar um trabalho belo, poético e melancólico, ainda que, ao fim, dificultem para o público, para seus personagens e para si próprios, o caminho até uma conciliação existencial que aqui eles parecem tanto prezar.

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