Em seu libelo anti-guerra, o audacioso Stanley Kubrick colocou, como era de se imaginar, os senhores da guerra como perfeitos idiotas potencialmente capazes das maiores imbecilidades. Nesse sentido, ele também refutou o eloquente formato de drama e seriedade para fazer deles os participantes de uma comédia e, com isso, escancarar o ridículo existente na paranóia e na hostilidade.
Mas, há algo de muito mais sutil na farsa de
Kubrick do que sua premissa sugere: A tendência auto-destrutiva do ser humano é
potencializada em grandes e pequenos atos que respondem, ora pelos arcos que
determinam a narrativa do filme, ora por pequenos momentos, observados em
detalhes que só um perfeccionista como Kubrick seria capaz de elaborar.
Por qual razão Peter Sellers está ali a
desempenhar nada menos do que três personagens?
As respostas me escapam uma vez que foi a um
tempo considerável que vi o filme; naquela postura analítica e austera que, é
de praxe, costumamos encarar um trabalho do consagrado Kubrick. Todavia, a
genialidade de “Dr. Fantástico” é, entre outras coisas, a quebra dessas
expectativas. Espera-se dele um tratado inteligente, inquisitivo e contundente
das animosidades bélicas fervilhantes do homem, e o que ele entrega é uma
sátira política povoada de indivíduos apalermados, fingindo uns para os outros
que sabem o que fazem, quando na verdade não sabem de coisa alguma. A
ignorância conduz não só a erros crassos –passíveis, logo, logo, de acarretar a
tragédia nuclear –mas também os enrola a ponto de não conseguirem resolver a
complicação iminente: E você que achava “Não Olhe Para Cima” tão original...
O presidente dos EUA (Peter Sellers), na sala
de guerra, mal sustenta a liderança que se espera dele –quando dois assessores
seus saem no braço por motivações ridículas, ele pede, indulgente, que parem de
brigar. Os pilotos despachados por engano para bombardear a Rússia o fazem sem
que as autoridades sejam capazes de impedí-los com uma mera mensagem de
contra-ordem. Os oficiais da base militar de onde partiram (entre eles, Peter
Sellers!) se veem enrolados com besteiras surgidas de sua própria insensatez.
Dentre todos, o suspeito conselheiro do presidente, o sibilante, cadeirante e
megalomaníaco Dr. Strangelove (olha Peter Sellers aí de novo!), contempla a
guerra nuclear cada vez mais inevitável com crescente entusiasmo; lá pelas
tantas ele, que é alemão, sequer consegue conter os espasmos involuntários de
sua mão que insiste em fazer a saudação nazista!
Lançado em 1964, “Dr. Fantástico”, embora não
fizesse rodeios em cutucar a evidente ferida nazista da Segunda Guerra Mundial
–ilustrada com ênfase corrosiva em seu bizarro personagem título –chegava às
telas de cinema exatos dois anos após os acontecimentos da dramática Crise dos
Mísseis de Cuba, quando o mundo esteve à beira, como nunca antes (e possivelmente
nem depois), de uma catástrofe nuclear real.
Diferente dos outros autores cinematográficos
de seu tempo, acometidos da cautela em saber se abordar tal assunto traumático
não seria precoce demais, Kubrick pega o imediatismo de seu tema e não tarda a
dele extrair um humor palpitante.
Como tantas obras de primor irrestrito a brotar
de sua mente, “Dr. Fantástico” não se propõe a ganhar o público por meio de
frivolidades mercadológicas; Kubrick quer, como sempre, provocar, e em seu
intento, pouco há da intenção em ser aceito, ovacionado, ou paparicado. Se o
filme que construiu com tão peculiar orientação é uma obra digna de ser
lembrada tanto tempo depois de sua gênese, é porque seu resultado prima por uma
qualidade cinematográfica inconteste, por um empenho na execução que o faz
singular, e por uma habilidade inata e flagrante de compor momentos
absolutamente antológicos, entre eles, seu desfecho, sem esperança, sem
ressentimentos e sem lamentações.
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