Os filmes de Darren Aronofsky são tratados cinematográficos sobre as consequências físicas das escolhas emocionais adotadas por seus personagens. Seu cinema é um sacrifício da sutileza em prol da visceralidade. Foi mirando esse norte que ele transformou “Pi” e “Réquiem Para Um Sonho” em obras de terror amparadas em expedientes nada fantasiosos, extraídos diretamente da vida real. A medida que ganhou mais idade e experiência, suas obras foram focando cada vez mais em seus personagens, cada vez mais nas particularidades que os definiam e que, ao mesmo tempo, os empurravam em direção ao abismo. Nesse sentido, há toda uma relação muito pessoal entre os protagonistas de “O Lutador”, Cisne Negro” e este “A Baleia”.
Aronofsky tem o atrevimento de escalar Brendan
Fraser, outrora um galã de filmes comerciais, para o papel de Charlie, um homem
de meia idade obeso, homossexual e deprimido. Charlie é um ser humano em vias
de consumar seu tormento interior a partir da visão cada vez mais irreversível
de sua deterioração exterior –e, ao interpretá-lo, Brendan Fraser traz para o
papel o peso de alguém que experimentou e compreendeu a crueldade desse
processo. Como o protagonista de “O Lutador”, descobrimos Charlie como uma
ruína de si mesmo, e como ele, tudo o que parece lhe restar é a filha com a
qual nunca mais teve contato. Como a bailarina de “Cisne Negro”, Charlie padece
cada segundo por ser quem é, em suas fragilidades, em suas abissais limitações.
O filme de Aronofsky não esconde sua origem teatral (a partir da peça de Samuel
D. Hunter), na ambientação restrita exclusivamente ao apartamento do
protagonista, mas ele também não se exime de ser cinema na consciência
narrativa adotada pela câmera, nas minimalistas adaptações que ramificam o
enredo através do desenvolvimento mais satisfatório de alguns de seus
coadjuvantes –o altruísmo áspero e maternal da amiga Liz (a ótima Hong Chau,
de “Pequena Grande Vida”); a aparição providencial do fervorosamente religioso
Thomas (Ty Simpkins, de “Homem de Ferro 3”); o ressentimento incontido da filha
Ellie (Sadie Sink, da série “Stranger Things”) –todos orbitam Charlie com as
considerações no fim das contas redundantes
da relação que têm com ele. Liz é irmã do homem que Charlie amou, e pelo
qual deixou a família oito anos atrás (e cujo suicídio o levou a uma depressão
de tal maneira severa que o condenou ao corpo morbidamente obeso que o está
consumindo). Thomas surge já na primeira cena como alguém enviado por Deus para
ajudar Charlie (assim, pelo menos, é como ele próprio enxerga a circunstância),
mas será Thomas quem, nas revelações subsequentes de sua real situação, será
auxiliado à conclusão de seu destino. E Ellie reitera seu ódio pelo pai que a
abandonou quando criança, embora esteja sempre por perto, ciscando o sentimento
enervante que, no fim das contas, é um amor transfigurado.
Charlie, porém, está morrendo. Na verdade, ele
tem cerca de uma semana de vida –e a narrativa se divide assim em episódios que
levam o título dos dias da semana –e como todo o protagonista caprichosamente
inserido nas profundezas de suas celeumas pessoais desde os tempos de
Shakespeare, é seu esforço, a tatear uma vã redenção, que o levará a um
desfecho talvez digno.
“A Baleia” do título não é, pois, somente uma
alusão ao protagonista e sua condição física debilitada –embora certamente essa
analogia esteja em pauta –mas, acima de tudo, uma referência à obsessão
intransigente registrada por Melville em “Moby Dick”, obra muito mencionada na
trama, inclusive porque o protagonista é um ex-professor universitário, exímio
estudioso de literatura, lecionando um curso on-line para alunos que não podem
vê-lo por meio de sua câmera desligada.
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