Nas décadas recentes, surgiu uma espécie de listagem, na internet, apontando todos os tópicos em que esta ficção científica de ação lançada em 1993 conseguiu acertar acerca de como supostamente o ‘futuro’ seria. Tal precisão notável, não provém, de forma alguma, do quanto o filme se propôs sério, nem tampouco profético, mas da curiosa e inesperada predisposição para a comédia que surge quase involuntariamente no roteiro, escrito entre outros, por Daniel Waters (o mesmo do cáustico, questionador e sarcástico “Atração Mortal”) –ao dar asas à imaginação e conceber um futurismo social aludido pelas improváveis considerações de autores como Aldous Huxley (“Admirável Mundo Novo”) e George Orwell (“1984”), o roteiro de “O Demolidor” satiriza os indivíduos criados numa sociedade oriunda de regras progressivas sob um prisma politicamente correto que corresponde a muito do que se tornou corriqueiro nos dias de hoje. E isso, além do eficiente divertimento que ele promove, deu ao filme um improvável e surpreendente aspecto profético.
No ano de 1996 –três anos, portanto, afrente do
‘presente’ no qual “O Demolidor” foi lançado –o policial John Spartan
(Sylvester Stallone) e o bandidão Simon Phoenix (Wesley Snipes, ótimo), ainda
que inimigos mortais e de lados opostos da Lei, são sentenciados a uma mesma e
inovadora pena, a Crio-Prisão –graças à uma armação de Phoenix na qual seus
reféns terminam mortos e Spartan, acusado. A Crio-Prisão trata-se de uma
sentença futurista na qual criminosos condenados são congelados por criogenia,
até que os anos da pena acabem passando e, ao final, são libertados,
descongelados, e têm implantes de memória que os fazem se integrar com mais
facilidade à sociedade.
Entretanto, no ano de 2032, quando uma fusão
entre duas metrópoles cria a pacífica e utópica San Angeles –na qual o crime
inexiste e, portanto, as forças policiais já não têm ideia de como lidar com
ele! –o perigoso Simon Phoenix é tirado de sua animação suspensa e, dotado da
fúria psicótica com a qual ficou conhecido, passa a promover um terror
injustificado na pacata cidade. A saída para os perplexos e ineficientes
policiais do futuro é descongelar o único homem que foi capaz de detê-lo no
passado, o também condenado policial John Spartan.
Embora o filme dirigido pelo diretor Marco Brambilla
não fique a dever aos fãs de Stallone no quesito cenas de ação, é na sua gaiata
e divertida tentativa de adaptação àquele bizarro mundo futurista que a trama
de “O Demolidor” mais parece se concentrar, e é nesses momentos que encontra um
êxito mais nítido –a interação dele com a policial Lenina Huxley (a sempre
maravilhosa Sandra Bullock, ainda desconhecida, numa personagem que leva o
sobrenome de Aldous Huxley e o nome da protagonista de “Admirável Mundo Novo”,
Lenina Crowne) é hilariamente deliciosa justamente pelo choque e contraste de
comportamentos entre o jeito despachado, inofensivo e asséptico dela e das
pessoas de 2032, e a atitude brucutu, mal-humorada e indignada de Spartan,
absolutamente inconformado com os rumos tomados pelo futuro, no qual as pessoas
são multadas automaticamente por falar palavrões (!), a comida se converteu
numa dieta saudável, alienada e irredutível (alguém lembrou do movimento
vegano?) e as maneiras minimamente ríspidas (que o diga a agressividade
propriamente dita) foram abolidas.
Digno de encabeçar com facilidade qualquer
lista dos melhores filmes de Stallone na década de 1990, “O Demolidor” oferece
aos fãs tudo o que se pode esperar de um filme de Sylvester Stallone –ação bem
conduzida e bem realizada, pancadaria e um enredo nítido e bem delineado da Lei
contra o crime, o bem contra o mal –contudo, seu grande diferencial e a
surpresa com a qual acometeu expectadores daqueles tempos vem do delicioso
desmazelo de seu humor futurista e suas piadas que, por mais que pudessem soar
fantasiosas até mesmo aos realizadores na época, terminaram antecipando alguns
elementos hoje bem reais. Logo abaixo, uma singela lista de alguns tópicos que “O
Demolidor” acertou em cheio na sua despreocupada sátira futurista:
-Pessoas buscando auto-estima
(e outras soluções práticas da vida) nos recursos digitais.
-Reuniões virtuais
feitas por home-office.
-A carreira política de Arnold
Schwarzenegger (!).
-Comando ativado por voz em residências.
-Moeda digital.
-Comprimidos
substituindo a alimentação comum.
-Telefones portáteis
que acessam a internet.
-Carros elétricos autônomos.
-Leis antifumo.
-Polícia de
pensamento (ou Patrulha Ideológica).
-Germafobia (ou o
medo patológico de germes, a hipocondria crônica).
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