sábado, 10 de fevereiro de 2024

Teto Para Dois


 “Teto Para Dois”, o livro de Beth O’Leary, é uma daquelas obras irresistíveis; personagens carismáticos e bem desenhados, enredo objetivo, envolvente e empático. Era, de fato, uma questão de tempo até que uma adaptação audio-visual fosse realizada. Embora sua premissa de comédia romântica se encaixasse à perfeição num formato cinematográfico de umas duas horas, a produtora Working Tittle –especializada em comédias inglesas –viabilizou este projeto que transformou a história do livro numa minissérie de seis episódios, proporcionando assim uma oportunidade para que a trama fosse preservada não só na totalidade de sua extensão e da fidelidade aos mínimos detalhes (embora, como veremos mais afrente, não tenha sido exatamente isso que aconteceu), mas também, para que, como romance, a aproximação gradual dos personagens (pontuada no livro com primorosa parcimônia) mantivesse o ritmo saboroso com que é visto nas páginas.

A heroína de “Teto Para Dois” se chama Tiffany Moore (vivida pela belíssima Jessica Brown Findlay, de “Um Conto do Destino”) e, quanto inicia a trama, a testemunhamos no fundo do poço pelo encerramento de uma relação –Tiffany era apaixonada pelo aparentemente galante Justin (Bart Edwards, de “Animais Fantásticos e Onde Habitam”), e ele a trocou por outra sem nem mesmo pestanejar. Assim, com a cara escorrida de choro (o que ela mantém durante boa parte do primeiro episódio!), Tiffany aceita de pronto uma proposta curiosa: Dividir o apartamento e a cama (!), com o enfermeiro Leon (Anthony Welsh), o qual certamente jamais encontrará –como Leon trabalha no turno noturno, ele e sua inquilina Tiffany poderão alternar as presenças no apartamento e na cama que dividem. Leon usa o local das 8 da manhã às 6 da tarde, e Tifanny (que, à propósito, trabalha de dia como editora numa revista) das 6 da tarde às 8 da manhã. Assim, eles nunca se encontram, e não fazem ideia de como é o companheiro de apartamento. Entretanto, inevitavelmente uma relação de estabelece –Tiffany e Leon trocam mensagens através de post-its! Dessa forma, Tiffany descobre que Leon alugou seu apartamento e cama a fim de levantar dinheiro para arcar com os custos de um advogado para livrar seu irmão Ritchie (Shaq B. Grant) da cadeia por conta de uma acusação injusta por assalto a mão armada. E Leon descobre as manias incomuns de Tiffany, sua compulsiva insegurança afetiva (muito dela, resultado do relacionamento tóxico com Justin, do qual ela custa a se desvencilhar) e sua capacidade de ser encantadora.

É claro que ambos descobrem também, na circunstância toda improvável em que se relacionam, que estão pouco a pouco se apaixonando.

Dirigido uma boa parte por Peter Cattaneo, diretor indicado ao Oscar por “Ou Tudo Ou Nada” –ele dirige os episódios 1, 2 e 6, justamente aqueles que guardam os trechos cruciais da trama (embora outros trechos cruciais existam), enquanto que os demais são dirigidos por Chloe Wicks –“Teto Para Dois” é uma prova cabal do quanto os ingleses são muito mais hábeis e menos maniqueístas do que os norte-americanos no manejo de premissas que envolvem comédias em geral e comédias românticas em particular: A trama adaptada nesta minissérie é atrevida e surpreendentemente distinta da que se segue no livro em inúmeros aspectos e detalhes, deixando entrever um cinismo muito maior nesta versão televisiva do que na graciosa, inocente e amena versão literária; o livro prefere abordar o tema dos traumas de Tiffany e de seu relacionamento com Justin de maneira elíptica, discreta e sempre no tempo passado, bem ao modo inglês, já a minissérie, mergulha de forma mais despudorada nas dores de amor (ainda que o forte subtexto sobre o gaslighting tenha ficado de lado), chegando até a mostrar uma recaída dela num dado momento (algo que pode desagradar os fãs mais ardorosos do livro). Contudo, “Teto Para Dois” é uma bela versão de um livro que representava um desafio para qualquer tentativa de adaptação –a despeito de ser uma minissérie, ele preserva características cinematográficas técnicas e artísticas do início ao fim, e resulta numa obra satisfatória até mesmo aos já conhecedores da trama escrita por Beth O’Leary (sempre os mais difíceis de agradar), por aproveitar certas oportunidades para ampliar algumas sub-tramas do livro tornando-as mais simbióticas umas às outras (os percalços judiciais de Ritchie; o romance entre os amigos de Tiffany, Mo e Maya; a relação de Leon com seus pacientes, a menina Holly e o idoso Sr. Pryor; e as confusões profissionais envolvendo Tiffany e seus colegas de escritório) e por trazer um elenco brilhante (sempre um forte trunfo dos ingleses), no qual se sobressaem os sensacionais coadjuvantes, e a extremamente encantadora Jessica Brown Findlay que consegue, com doçura e comicidade, compensar a adequação oscilante de seu parceiro de cena, Anthony Welsh.

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