sábado, 22 de junho de 2024

Divertida Mente 2


 Divertida Mente”, o longa de animação tão perfeito da Pixar e que, em geral, servia como exemplo para o argumento da empresa em não se dedicar à realizar continuações e sim criar produções originais; eis que “Divertida Mente” ganha, agora, uma continuação! As razões para isso são menos as decisões de orientação artística de seus normalmente bem-intencionados realizadores e mais a ganância dos tubarões executivos que controlam o dinheiro da empresa e que nela mandam de fato: A Disney (proprietária da Pixar, só pra lembrar) agora tem seu próprio serviço de streaming, o Disney Plus, e a intenção dos executivos é recheá-lo de conteúdo exclusivo para atrair assinantes. E certamente é mais interessante para as campanhas de marketing que esse conteúdo exclusivo traga, de novo e de novo, os personagens já estabelecidos, já conhecidos e oriundos de grandes sucessos de outrora, para novas produções que o público só haverá de encontrar lá.

Assim, eis que os artesões da Pixar tiveram, portanto, que voltar atrás em suas palavras e fazer a continuação que não estava em seus planos. Entretanto, saber de antemão que isso não era previsto torna, em alguns momentos, a apreciação de “Divertida Mente 2” até que admirável: A nova animação flui com uma trama de progressão quase natural para com sua premissa original; é espontânea, criativa e digna; e, tal e qual o anterior, traz uma mensagem valiosa, com lições pertinentes e momentos de genuína emoção, tudo isso, numa voltagem menos intensa que no primeiro filme, é verdade, mas ainda gratificante o suficiente para aplaudirmos a existência desta segunda parte.

Agora um pouco mais crescida que no primeiro filme, a menina Riley está adentrando a adolescência. E tal etapa da vida, é sabido, vem com transformações radicais no modo de ser e de se comportar. Também no interior, essas mudanças se fazem notar: Em sua mente, regida pelas cinco emoções que a Pixar converte em personagens individuais, Alegria (voz de Amy Poehler), Tristeza (voz de Phyllis Smith), Nojinho (voz de Liza Lapira), Raiva (voz de Lewis Black) e Medo (voz de Tony Hale), novidades começam a chegar, na forma de emoções novas que Riley haverá de experimentar nos próximos dias decisivos de sua vida estudantil –são elas a Ansiedade (voz de Maya Hawke), Inveja (voz de Ayo Edebiri), Vergonha (voz de Paul Walter Hauser) e Tédio (voz de Adele Exarchopoulos) –há também uma senhorinha, Nostalgia (voz de June Squibb), sempre censurada pelas demais por chegar prematuramente!

Apaixonada jogadora de hóquei no gelo, Riley parte para uma colônia de treinamento com suas amigas e, nos dias que se seguem, precisa lidar com circunstâncias que desafiam sua maturidade: Suas duas melhores amigas contam que vão, juntas, mudar de escola. O que deixa Riley sentindo-se sozinha, necessitando de novas companhias. Isso a leva a tentar enturmar-se com as garotas mais velhas e mais experientes, o que vem com uma dose a mais de cobrança e de pressão –afinal, não é fácil para uma adolescente insegura e com seu caráter em formação mostrar-se legal e confiante às novas amigas da forma como ela gostaria.

Essa é a trama geral que acompanha “Divertida Mente 2”, porém, sua trama verdadeira, é a que se desenvolve dentro da mente de Riley, a envolver suas emoções, que agem e reagem a partir dos acontecimentos vivenciados por Riley. Para Alegria –a emoção que sempre norteou Riley desde o começo –manter-se fiel às suas convicções (aquelas formadas a partir de valores inocentes de criança) é uma prioridade, mas Alegria, ao refutar toda lembrança de fracasso impede Riley de aprender com seus erros. É essa brecha da qual Ansiedade se aproveita; emoção complexa, nascida a partir do temor de errar e, portanto, irrequieta a ponto de tentar prever incessantemente cada passo iminente, Ansiedade sabe que, com o crescimento, uma nova Riley, menos criança, está surgindo e, para tanto, ela crê que não há mais espaço para suas antigas emoções. E é assim que Alegria, Tristeza, Nojinho, Medo e Raiva são expulsos da cabine de controle da mente. Incapaz de sentir suas emoções originais, resta a Riley a Ansiedade, a Inveja, a Vergonha e o Tédio para tentar lidar com as novas situações com as quais se depara, como a disputa por uma vaga no time de hóquei aos olhos na exigente treinadora (que, pela primeira vez, não a trata feito criança!), o afastamento das antigas amigas (e toda a mágoa implícita que vem com isso), as tentativas perplexas de impressionar as amigas novas, e a árdua tarefa de lidar com suas profundas frustrações quando muitas dessas expectativas não acabam atendidas.

Nesse meio-tempo, Alegria e os outros empreendem toda uma nova jornada –em grande medida, até bem semelhante à do filme original –para tentar encontrar um meio de regressar à torre de comando antes que Ansiedade, na histriônica ilusão de resolver tudo sozinha e por conta própria, ponha tudo a perder.

Embora falte a este segundo filme o impacto, a originalidade e a intensidade de emoções do primeiro (faz falta, por exemplo, um personagem tão comovente e memorável como era Bing Bong), “Divertida Mente 2” ainda assim surpreende, emociona e faz pensar num nível que o torna até mais cativante aos olhos dos adultos que das crianças. E essas são qualidades notáveis que a Pixar, em seus últimos projetos, andou tendo dificuldade de encontrar.

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