terça-feira, 18 de junho de 2024

28 Dias


 Na carreira de Sandra Bullock, “28 Dias” é um corpo tão curioso quanto transitório. É uma obra que gera desconforto pela linguagem bastante ultrapassada de sua narrativa, dessas difíceis de vincular a uma estrela famosa. Ao mesmo tempo, conserva elementos capazes de sustentar a atenção do público –embora, no frigir dos ovos, esses elementos venham quase todos da presença de sua atriz principal.

Na transição dos anos 1990 para 2000, Sandra Bullock já havia se consolidado como uma estrela do cinema. Quase que instantaneamente, porém, ela experimentou os revezes de uma carreira acompanhada de perto por milhões de fãs e por uma horda de interesseiros opinando à respeito: Na esteira dos sucessos “Velocidade Máxima” e “Enquanto Você Dormia” –indiscutivelmente os filmes que a levaram ao estrelato –ela emplacou, por sucessivas razões distintas, fracassos como “A Rede” (uma mera escolha mau feita de projeto), “Corações Roubados” (um péssimo filme do qual ela participou apenas por convite de um amigo, o ator Denis Leary) e “Velocidade Máxima 2” (sem keanu Reeves, um fracasso e um vexame homérico, até hoje a única produção da qual ela se arrepende de ter participado). Convencida por esses tropeços de que deveria conduzir de uma nova maneira sua carreira, Sandra abriu a produtora Fortis Films e passou a interferir com maior autoridade nos filmes dos quais participava e, embora os resultados verdadeiramente positivos tenham até que demorado a chegar, ao menos, nos anos subsequentes, ela foi capaz de se desvencilhar de fracassos.

“28 Dias” reflete a preocupação de Sandra, enquanto estrela de cinema, em estar presente em obras de um mínimo de cunho social e moral –o filme, dirigido por Betty Thomas, se debruça sobre os efeitos colaterais do alcoolismo.

Gwen Cummings (Bullock) é uma moça de vida social, digamos, ativa. Ela e seu namorado, Jasper (Dominic West, de “300”) sabem pela noite nova-iorquina e, no decurso da bebedeira, aprontam até altas horas da madrugada. Com o tempo, esse clico vicioso (embriagar-se, esquecer de todas as confusões que fizeram e, no dia seguinte, começar tudo de novo) os engole por completo. Ela só começa a ter uma tênue noção do prejuízo que seu hábito etílico provoca em sua vida durante o casamento da irmã (Elizabeth Perkins), no qual Gwen pega um carro alcoolizada e colide contra a varanda de uma casa.

A pena negociável, para Gwen escapar da cadeia, é frequentar por vinte oito dias um centro de reabilitação e se livrar do vício que –numa atitude comum –ela insiste não ter. Inicialmente arredia para com tudo e para com todos (sobretudo com a tarimbada recepcionista, interpretada por Margo Martindale e com o conselheiro –e ex-viciado –vivido por Steve Buscemi), Gwen aos poucos vai tomando contato com a fauna de habitantes desajustados do lugar e com eles, constrói um vínculo de inesperada amizade: Sua colega de quarto Andrea (Azura Skye, de “EDTV”), viciada em heroína aos 17 anos de idade e obcecada por um dramalhão folhetinesco que passa na TV; o outrora famoso jogador de beisebol Eddie viciado em drogas e sexo (Viggo Mortensen, pouco antes da revelação como Aragorn em “O Senhor dos Anéis”); o homossexual, dançarino e neurótico contumaz Gerhardt (Alan Tudyk, de “Rogue One” e “Tucker & Dale Contra O Mal”); a idosa e solícita Bobbie (Diane Ladd, de “Coração Selvagem”) e muitos outros.

A medida que redescobre quem é longe do efeito intermitente da embriaguez, Gwen passa a se relacionar melhor com os outros à sua volta –até mesmo na ressentida relação com a irmã –e se dá conta da influência um tanto prejudicial e propícia ao vício de Jasper.

Embora haja visivelmente boas intenções e algum engajamento da parte de Sandra Bullock, enquanto estrela famosa, ao envolver-se num projeto que centraliza temas difíceis como o vício em geral, pertinentes a qualquer fórum de discussão, a produção do filme desperdiça inúmeras chances de fazer algo melhor; não apenas a química entre Sandra e Viggo acaba negligenciada (um casal atraente, carismático e talentoso cujos personagens, apesar de uma ou outra sugestão não engatam romance nenhum) como a própria direção de Betty Thomas, ao buscar um tom harmonioso entre o pesado tema abordado e um leveza características de outros filmes de Sandra Bullock, termina não encontrando um registro adequado resultando superficial. Realizado com câmeras digitais que ocasionalmente entregam uma certa insuficiência orçamentária, e carregado de um incômodo aspecto de produção televisiva –em especial, na forma com que chega a um desfecho claudicante e desanimado –pode-se afirmar que “28 Dias” não foi capaz de escapar da irrelevância; o fato de estar sendo citado vinte e quatro anos depois de sua realização, se restringe ao único de detalhe de destaque que é sua atriz principal.

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