sexta-feira, 14 de março de 2025

Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora É Outro


 Sabe-se que o resultado final de “Tropa de Elite” foi acarretado por alguns acasos felizes. Sabe-se que o personagem do Capitão Nascimento, por exemplo, não havia sido planejado para ser o protagonista, mas, sim um coadjuvante; que os personagens principais de fato seriam os cadetes vividos por André Ramiro e pelo saudoso Caio Junqueira. No entanto, a atuação vibrante de Wagner Moura como Nascimento tornou-se tão antológica que o diretor José Padilha, aliado ao montador Daniel Rezende, valeram-se de todas as cenas adicionais possíveis para estender sua participação, além de fazê-lo onipresente no filme atribuindo-lhe uma narração em off –no plano original, a narração pertenceria ao personagem Mathias, de André Ramiro.

Na continuação, “Tropa de Elite 2-O Inimigo Agora É Outro”, o Capitão Nascimento ganha agora o protagonismo de fato e, na narrativa ainda mais mergulhada nos meandros de corrupção política e existencial dos âmbitos brasileiros, um aprofundamento ainda maior de suas características circunstanciais.

Após sofrer um atentado, o agora Tenente-Coronel Nascimento relembra os acontecimentos transcorridos quatro anos antes, quando chefiou uma operação do B.O.P.E., liderada por Mathias, onde foi contida uma rebelião no presídio de Bangu I –evento real, magnificamente bem explorado pelo roteiro objetivo, inteligente e sem firulas de Braulio Mantovani e do próprio Padilha.

Considerada catastrófica, a operação leva Nascimento a ser afastado do B.O.P.E. tornando-se subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Nesse cargo, Nascimento consegue obter, com o passar do tempo, o desbaratamento do tráfico nas favelas da Zona Oeste do Rio de Janeiro, entretanto, o sistema corrupto se adapta à nova realidade permitindo a ascensão de um novo problema: As milícias.

Passando a comandar as comunidades após a neutralização dos chefes do tráfico –e assumindo o lugar desses chefes –as milícias passam a controlar a corrupção do sistema, estendendo o controle do crime até esferas elevadas do poder.

E é aqui, neste ponto de “Tropa de Elite 2” que testemunhamos o surgimento do antagonista mais sensacional do filme –anos-luz a frente de qualquer um dos criminosos do filme anterior. Tendo participado do primeiro filme em uma única (e memorável) cena, o ator Sandro Rocha, intérprete do Major Edivan Rocha, ganha aqui uma importância absurda, tornando-se o líder da principal milícia mostrada no filme.

O curioso é que, poucos anos antes, a TV brasileira exibiu a novela de enorme sucesso “Duas Caras”, onde Antonio Fagundes interpretava Juvenal Antena, um líder de milícia que surgia como um grande e heróico protagonista. É claro o esforço do roteiro e da direção de Padilha, além da fabulosa atuação de Sandro Rocha, em mostrar o Major Rocha como uma contraparte exata de Juvenal Antena, contudo inserido no mundo real, com toda a crítica social e o verdadeiro questionamento moral a que se tem direito.

Beneficiado por técnicas de cinema ainda mais arrojadas que no primeiro filme (exemplo brilhante é já o atentado de sua cena inicial, a primeira de inúmeras cenas magníficas que o filme trará), “Tropa de Elite 2” é infinitamente mais denso do que seu antecessor, na medida em que troca a euforia quase jovial da adrenalina do primeiro filme por um senso de realidade que chega às raias do angustiante ao confrontar o protagonista Nascimento (e, portanto, o próprio público) com uma impunidade criminosa tão arraigada no sistema público que leva o expectador a sentir-se de mãos atadas, indignado diante de tanta corrupção.

Nessa narrativa tão competente quanto exemplar é preciso citar a construção de personagens brilhantes: Não apenas Nascimento sobre um evolução em termos dramáticos e humanos como personagem (o que só potencializa mais a interpretação esplêndida de Wagner Moura) e seu antagonista aqui, Major Rocha, se revela um verdadeiro achado em todos os sentidos, como também somos brindados com uma participação também ampliada do Capitão Fábio Barbosa (Milhem Cortaz, brilhante); as aparições de Fortunatto (o ótimo André Mattos), um apresentador sensacionalista de TV inclinado à conluios com os poderosos; de Clara (Tainá Müller, de “Cão Sem Dono”), uma repórter na busca incauta pela verdade; e de Fraga (o também ótimo Irandhir Santos), um político opositor, mas, curiosamente um aliado de Nascimento na luta contra a corrupção do sistema.

Também desta vez, a circunstância mais infame a cercar o primeiro “Tropa de Elite” foi contornada por José Padilha: Criando toda uma estrutura de pré e pós-produção para esta aguardadíssima sequência, Padilha não permitiu que cópias clandestinas vazassem de sua realização como ocorreu anteriormente, fazendo com que este novo “Tropa de Elite” fosse um sucesso salutar de bilheterias, com seus lucros canalizados para os lugares certos, como tinha que ser.

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