Sabe-se que o resultado final de “Tropa de Elite” foi acarretado por alguns acasos felizes. Sabe-se que o personagem do Capitão Nascimento, por exemplo, não havia sido planejado para ser o protagonista, mas, sim um coadjuvante; que os personagens principais de fato seriam os cadetes vividos por André Ramiro e pelo saudoso Caio Junqueira. No entanto, a atuação vibrante de Wagner Moura como Nascimento tornou-se tão antológica que o diretor José Padilha, aliado ao montador Daniel Rezende, valeram-se de todas as cenas adicionais possíveis para estender sua participação, além de fazê-lo onipresente no filme atribuindo-lhe uma narração em off –no plano original, a narração pertenceria ao personagem Mathias, de André Ramiro.
Na continuação, “Tropa de Elite 2-O Inimigo
Agora É Outro”, o Capitão Nascimento ganha agora o protagonismo de fato e, na
narrativa ainda mais mergulhada nos meandros de corrupção política e
existencial dos âmbitos brasileiros, um aprofundamento ainda maior de suas
características circunstanciais.
Após sofrer um atentado, o agora
Tenente-Coronel Nascimento relembra os acontecimentos transcorridos quatro anos
antes, quando chefiou uma operação do B.O.P.E., liderada por Mathias, onde foi
contida uma rebelião no presídio de Bangu I –evento real, magnificamente bem
explorado pelo roteiro objetivo, inteligente e sem firulas de Braulio Mantovani
e do próprio Padilha.
Considerada catastrófica, a operação leva
Nascimento a ser afastado do B.O.P.E. tornando-se subsecretário de Inteligência
da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Nesse cargo, Nascimento
consegue obter, com o passar do tempo, o desbaratamento do tráfico nas favelas
da Zona Oeste do Rio de Janeiro, entretanto, o sistema corrupto se adapta à
nova realidade permitindo a ascensão de um novo problema: As milícias.
Passando a comandar as comunidades após a
neutralização dos chefes do tráfico –e assumindo o lugar desses chefes –as
milícias passam a controlar a corrupção do sistema, estendendo o controle do
crime até esferas elevadas do poder.
E é aqui, neste ponto de “Tropa de Elite 2” que
testemunhamos o surgimento do antagonista mais sensacional do filme –anos-luz a
frente de qualquer um dos criminosos do filme anterior. Tendo participado do
primeiro filme em uma única (e memorável) cena, o ator Sandro Rocha, intérprete
do Major Edivan Rocha, ganha aqui uma importância absurda, tornando-se o líder
da principal milícia mostrada no filme.
O curioso é que, poucos anos antes, a TV
brasileira exibiu a novela de enorme sucesso “Duas Caras”, onde Antonio
Fagundes interpretava Juvenal Antena, um líder de milícia que surgia como um
grande e heróico protagonista. É claro o esforço do roteiro e da direção de
Padilha, além da fabulosa atuação de Sandro Rocha, em mostrar o Major Rocha
como uma contraparte exata de Juvenal Antena, contudo inserido no mundo real,
com toda a crítica social e o verdadeiro questionamento moral a que se tem
direito.
Beneficiado por técnicas de cinema ainda mais
arrojadas que no primeiro filme (exemplo brilhante é já o atentado de sua cena
inicial, a primeira de inúmeras cenas magníficas que o filme trará), “Tropa de
Elite 2” é infinitamente mais denso do que seu antecessor, na medida em que
troca a euforia quase jovial da adrenalina do primeiro filme por um senso de
realidade que chega às raias do angustiante ao confrontar o protagonista
Nascimento (e, portanto, o próprio público) com uma impunidade criminosa tão
arraigada no sistema público que leva o expectador a sentir-se de mãos atadas,
indignado diante de tanta corrupção.
Nessa narrativa tão competente quanto exemplar
é preciso citar a construção de personagens brilhantes: Não apenas Nascimento
sobre um evolução em termos dramáticos e humanos como personagem (o que só
potencializa mais a interpretação esplêndida de Wagner Moura) e seu antagonista
aqui, Major Rocha, se revela um verdadeiro achado em todos os sentidos, como
também somos brindados com uma participação também ampliada do Capitão Fábio
Barbosa (Milhem Cortaz, brilhante); as aparições de Fortunatto (o ótimo André
Mattos), um apresentador sensacionalista de TV inclinado à conluios com os
poderosos; de Clara (Tainá Müller, de “Cão Sem Dono”), uma repórter na busca
incauta pela verdade; e de Fraga (o também ótimo Irandhir Santos), um político
opositor, mas, curiosamente um aliado de Nascimento na luta contra a corrupção
do sistema.
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