Há em “Frances”, do diretor Graeme Clifford, uma densidade que o faz incontornavelmente deprimente, contudo, não havia, de fato, como evitar tal sensação diante da trajetória tão singular –e hoje profundamente alarmante e inacreditável –da atriz norte-americana Frances Farmer, cuja inadequação aos padrões de conduta de sua época (meados dos anos 1930 e 40) a levaram a sofrer pressões de tal forma severas que a levaram à loucura.
Mas, vamos por partes. Nascida na cidade de
Seattle, ainda no início da década de 1930, Fances Elena Farmer (vivida do
início ao fim pelo minimalismo impecável de Jessica Lange), aos 16 anos, choca
a sociedade local com uma dissertação na qual ela questiona a existência de
Deus. Já ali, Frances exibia as posturas avançadas que viriam, nos anos por
vir, a lhe cobrar um alto preço: Questionadora para com a religião cegamente
devota –não era necessariamente atéia, mas bastante ferrenha em relação às suas
dúvidas cristãs –e inclinada ao comunismo, como fica bem claro com a longeva
amizade que nutre, ao longo da vida, com o jornalista de esquerda Harry York
(Sam Shepard, casado com Jessica na vida real).
Logo, Seattle se torna pequena demais para
Frances que, após revelar-se promissora em peças teatrais locais e atrever-se
numa viagem à Rússia, acaba obtendo um contrato de exclusividade com a
Paramount Pictures, onde o filme “Meu Filho É Meu Rival” a converte em uma
estrela –e, nesse processo, ao casar-se com o também ator Dick Steele
(Christopher Pennock), Frances inicia uma sucessão de relacionamentos
mal-fadados.
Farta do esquema hollywoodiano de produção
–onde as atrizes não tinham qualquer interferência na qualidade do material,
servindo de mero adereço às produções –Frances busca desafios profissionais
mais estimulantes em Nova York, na Broadway, onde uma peça de cunho
profundamente filosófico e artístico lhe desperta as atenções. Ela termina
também na cama do autor do script, o
dramaturgo Clifford Odets (Jeffrey DeMunn, de “Cidadão X”), só para ser
descartada quando os homens não mais precisam dela: Quando a peça atinge
inquestionável sucesso de público, em grande parte devido ao seu status de
estrela cinematográfica, os produtores a substituem, durante os preparativos
para a apresentação em Londres, por outra protagonista, e Clifford a rejeita
com um grosseiro bilhete anunciando a chegada de sua esposa.
Relutante, Frances regressa para Hollywood,
onde as coisas agora mudaram: Sua predileção pelo teatro, em detrimento às
produções de cinema, fizeram desgostoso o todo-poderoso chefe da Paramount
Pictures (Allan Rich, de “Quero Dizer Que Te Amo”) que, ao lado da crítica
insidiosa Louella Parsons, coloca toda Los Angeles contra Frances. Exaurida
pelo ambiente tóxico, Frances –que, até então, começa a demonstrar certo grau
de alcoolismo devido à tumultuadas filmagens realizadas à contra-gosto no
México –começa a ter seus primeiros surtos de ansiedade, o que a leva a ser
internada numa clínica psiquiátrica pela mãe (Kim Stanley, de “Os Eleitos”,
também com Shepard no elenco).
Será só o começo de seu pesadelo.
Os médicos se recusam a liberá-la para uma vida
normal e saudável –em parte, pela boa repercussão que a presença de uma estrela
de cinema internada proporciona à clínica, em parte, pela insistência
negativista da mãe –mesmo diante de indícios pertinentes vindos da própria
Frances de que ela é mentalmente sã. Quando finalmente sai –não sem antes
tentar uma fuga, auxiliada pela única pessoa que continua ao seu lado em todos
os percalços, Harry York –ela é deixada aos cuidados da mãe, tendo sua
autonomia como adulta legalmente suspensa.
Contudo, a mãe de Frances (no roteiro
romantizado escrito por Eric Bergren, Christopher De Vore e Nicholas Kazan,
este também roteirista de “O Reverso da Fortuna”) revela-se menos alguém
preocupada com o bem-estar da própria filha, e mais um indivíduo disposto a
enxergar nela as aspirações que almejou para si: A despeito da vontade cada vez
maior de Frances afastar-se por completo do sufocante e pernicioso sistema de
Hollywood (mostrado no filme como um universo abusivo e dissimulado), sua mãe
lhe dá somente duas alternativas; ou regressa de uma vez por todas à vida de
atriz famosa, ou retorna para as clínicas psiquiátricas. A medida que os
atritos se sucedem –pois, Frances se recusa veementemente a viver uma vida que
não quer para si –as instituições nas quais é enviada por sua mãe, com todos os
aparatos legais, vão se tornando cada vez mais precárias e degradantes, em
sequências lúgubres e consternadoras que certamente inspiraram Jane Campion em
“Um Anjo Em Minha Mesa”. Num dos últimos sanatórios, Frances era estuprada por
quem pagasse mais aos enfermeiros pela chance de fazer sexo com uma estrela de
cinema (!). Até que, por fim, Frances é submetida a uma lobotomia!
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