Quando em 1981 o produtor Mel Brooks escolheu David Lynch para dirigir sua acalentada produção “The Elephant Man”, sobre a história real de John Merrick, portador de uma rara deformidade que o tornou vítima de toda sorte de preconceito e compaixão durante a Inglaterra vitoriana, ele tinha, quando muito, o experimental “Eraserhead” como referência desse jovem diretor –Brooks não tinha como saber o quando a personalidade singular e o talento inigualável para moldar inquietações da mente humana fariam de Lynch um nome quintessencial para esse estilo surrealista muito específico que ele discorreu em obras marcantes no cinema e na TV –e que, por vezes, ele seria um dos poucos capazes de dominar com brilhantismo tal linguagem.
É natural, portanto, que “O Homem Elefante” mantenha
certa distância das obras bem mais pessoais que David Lynch veio a entregar
depois –tal e qual o próprio “Duna”, que Lynch dirigiu na sequência, três anos depois,
“O Homem Elefante” é uma obra de encomenda para um estúdio (essa característica
se reflete no fato de ser um filme de época e, por consequência, ostentar uma
caprichadíssima reconstituição) e, com isso, espelha não só as ideias de seu
diretor, mas também as de seu produtor e, não duvido, de todo um comitê
executivo por trás do projeto. Ainda assim, David Lynch foi capaz de trazer um
braço artístico para aquele corpo comercial, como também preservou nele
elementos simbólicos de seu cinema, como o apreço por filmes obscuros de terror
(a fotografia em preto & branco, que remete às produções antigas do gênero
e ao expressionismo alemão, é de um atrevimento estético notável para aqueles
coloridos anos 1980 de então).
A trama acompanha o cirurgião Dr. Frederick
Treves (Anthony Hopkins, pouco mais de uma década antes da consagração como
Hannibal Lecter) que, numa visita a uma exibição circense, descobre a
existência de John Merrick (John Hurt, absolutamente surpreendente numa atuação
que conjuga expressões faciais, gestos e uma pesada maquiagem), um homem
apresentado ao público pagante como uma aberração exótica. Compadecido com
Merrick e curioso para com sua condição –ele acredita que sua deformidade tem
origem numa misteriosa doença, e intenciona estudá-lo –o Dr. Treves o recolhe
em sua mansão, onde visa proporcionar a Merrick a chance de aprender, a almejar
dignidade e obter a improvável aceitação da puritana sociedade inglesa da
época.
Entretanto, apesar dos avanços notáveis de
Merrick, e da diversificada celeuma que ele desperta em acadêmicos e
aristocratas, o passado ameaça retornar, na forma de um aventureiro (Freddie
Jones, de “Krull” e “E La Nave Vá”) que não desiste da ideia de persegui-lo e
lucrar com sua exibição nos corriqueiros shows de horrores dos subúrbios
londrinos.
Avassalador sucesso de crítica na época de seu
lançamento, “O Homem Elefante” foi indicado à oito Oscars na cerimônia de 1981,
infelizmente não levando nenhum... a categoria de Melhor Maquiagem (a qual
certamente teria arrebatado o prêmio!) só foi criada no ano seguinte, muito em
função dos protestos acarretados pela produção este filme.
Como “História Real” e o já mencionado “Duna”, “O
Homem Elefante” destoa ligeiramente do restante da filmografia desse
incomparável David Lynch –no que ele se iguala aos seus pares, porém, também
assinados por seu brilhante realizador, é no primor artístico que exala de cada
um de seus fotogramas, na compreensão dramática e narrativa, espantosa, até pelo
fato de sabermos ser este apenas seu segundo longa-metragem, e na forma com
que, habilmente, Lynch manipula percepções e emoções construindo aqui um
tratado moral sobre nossos próprios preconceitos, sobre a empatia e sobre as
equivocadas definições sensoriais (partilhadas até por nós mesmos, enquanto
público) numa cultura onde o belo é bom e o feio é mau.
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