terça-feira, 8 de dezembro de 2015

No Coração do Mar

É notável perceber a evolução de Ron Howard como diretor ao longo de sua carreira.
No início, em seus primeiros filmes nos anos 1970 e 1980, ele não parecia ser levado muito à sério, certamente por ser o típico ator que arriscava sentar na cadeira de diretor. Isso se reflete em filmes bastante comerciais, despretensiosos e leves como "Splash-Uma Sereia Em Minha Vida", "Fábrica de Loucuras" ou o épico romântico "Um Sonho Distante".
Contudo, desde dessa época é perceptível um tino muito afiado dos elementos que, no final das contas, fazem um bom filme.
Howard sempre teve um indelével instinto para filmar.
Nos anos 1990, seus trabalhos já exigiam um pouco mais de respeito por parte de público e crítica, sobretudo "Apollo 13" cuja esmerada reconstituição aliada à um aparato técnico espetacular rendeu um produto que concorreu à oito prêmios no Oscar de 1995 (o de Melhor Filme, só para constar, ele perdeu para "Coração Valente"). A partir daí, era como se Ron Howard tivesse sido enfim abalizado como cineasta: Ele fez, entre outros projetos, o bom "Ransom-O Preço de Um Resgate", ganhou o Oscar em 2001 por "Uma Mente Brilhante", encarregou-se do blockbuster "O Código Da Vinci", voltou ao Oscar em 2008 com o thriller político "Frost/Nixon".
É bem provável que seu melhor trabalho seja o mais recente "Rush-No Limite da Emoção", que reconstitui a obcecada e inacreditável rivalidade entre James Hunt e Nikki Lauda no GP de 1976.
No novo "No Coração do Mar", Howard reúne-se mais uma vez com o ator daquele filme (o sempre esforçado Chris Hemsworth) para relatar, em tons poderosamente épicos, o acontecimento real que levou à criação do livro "Moby Dick".
Tudo começa com o escritor Hellmann Melville em pessoa (interpretado por Ben Whishan, o Q dos filmes de 007 com Daniel Craig) à procura de um certo senhor que, ele crê, irá lhe relatar a história que poderá render material para o seu mais extraordinário trabalho: Um livro sobre a obsessão de um capitão de navio baleeiro em busca de uma descomunal baleia branca.
De início arredio, o velho (a última testemunha dos eventos, interpretado pelo grande Brendan Gleeson na idade adulta e pelo ótimo Tom Holland, quando jovem) revela a ele passo a passo a história que envolve as personalidades conflitantes de dois homens, o capitão Pollard e seu primeiro-imediato Chase (Hemsworth, uma boa presença), e como essa dinâmica entre os dois terminou conduzindo tripulação e embarcação pelos confins dos mares do Oceano Pacífico,onde cruzaram com uma baleia branca monstruosa, e enfrentaram percalços que marcaram a vida de todos os que sobreviveram.
Não é o melhor trabalho de Ron Howard nem por um decreto; não possui o equilíbrio de "Uma Mente Brilhante", nem a objetividade pulsante de "Rush", na verdade, sua narrativa muitas vezes peca pelo peso da tensão imposta em muitos momentos, tornando-o desgastante e longo.
Mas é nitidamente uma obra que pede por um diretor no absoluto controle de seu ofício, e isso, Howard o faz com evidente primor: A fotografia, com imodesto emprego do recurso 3D, funciona que é uma beleza, o elenco de um modo geral tem uma competência uníssona, e a julgar pela dificuldade que sempre se alardeia ser o fato de filmar em alto-mar, o resultado detalhado e rico que se vê na tela, seja em ritmo e continuidade, merece ser chamado de obra de arte.
"No Coração do Mar" pode não agradar tanto aqueles expectadores que se ressentem de um trabalho menos denso e dramático (como a grande maioria dos lançamentos que se espera para as férias de fim de ano), mas não deixa de ser um espetáculo de realização.

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