A idéia de refilmar um filme flutua entre
impressões ora equivocadas, ora nobres. É pertinente, por exemplo, a proposta
de um aprimoramento técnico oferecido pelos recursos digitais da atualidade, ou
até mesmo a transfiguração deste ou daquele tema sob o viés de uma mente
artística diferente (Caso de “A Mosca” de David Cronenberg). Muitos, porém, são
os detratores desse hábito, para os quais exemplos não faltam, afirmando que
refilmagens são cópias preguiçosas (e, não raro, desrespeitosas!) do filme
original.
Quando funcionam, estes trabalhos em que outro
diretor revisita a mesma premissa de outro filme e leva à ele um novo e
diferenciado enfoque, servem para comparar os elementos interessantes do
material, e o modo como distintos realizadores enfatizam suas peculiaridades à
medida que identificam ali as ressonâncias de sua própria obra.
Tomemos o exemplo deste dois filmes: o francês
“Nathalie X” e o canadense “O Preço da Traição”.
O filme francês relata a história de uma dona
de casa de classe alta descobrindo que seu marido cometeu adultério e ficando
intrigada com a mulher que supostamente teria sido sua amante, uma belíssima
acompanhante de luxo. Após uma série de atos relutantes da parte da primeira,
elas acabam se conhecendo e pondo tudo em pratos limpos, mas desse contato
surge uma estranha relação entre as duas, que por vezes parece ter conotações
homossexuais.
Como é de um certo costume no cinema francês há
um drama de sutil carga erótica na narrativa, que principia partir de um enredo
que remete à “A Bela da Tarde” (a mulher burguesa envolvida deliberadamente com
o mundo da prostituição), mas toma um rumo diferente (até inesperado numa
determinada cena), embora soe disperso em contrapartida à sua inquestionável
elegância: Parece ser do interesse da diretora Anne Foutaine que a narrativa
privilegie a sugestão ao fato no que diz respeito ao seu erotismo, e para
tanto, ela tira muito bom proveito de suas duas excelentes atrizes; a madura e
elegante Fanny Ardant e a sexy e angelical Emmanuelle Béart.
Acontece que “Nathalie X”, talvez pelos
elementos que o filme habilmente preserva subentendidos para o público, era uma
dessas obras que sinalizam o interesse de outros realizadores. E uma refilmagem
não tardou a ser produzida.
Orquestrada pelo talentoso e desigual Atom
Egoyam (diretor e roteirista de “O Doce Amanhã”), “O Preço da Traição”
–“Chloe”, no original –parte da mesma premissa, modificando uma série de
coisas, a ponto de tornar-se quase um filme diferente.
Sob a esmagadora suspeita de ter sido traída,
esposa dedicada de um renomado professor canadense (Liam Neeson, substituindo
Gerard Depardieu, no original) contrata uma jovem garota de programa para
seduzí-lo e depois lhe relatar passo a passo os detalhes de seus encontros. Aos
poucos uma estranha conexão começa a surgir entre elas, tornando-se uma
obsessão para a mais jovem.
Embora careça da sutileza do outro filme (e
esta talvez seja, de fato, uma atitude proposital da parte da direção), alguns
elementos são mais bem-resolvidos do que na obra original, conferindo unidade
de ritmo, e um posicionamento de gênero que o filme francês não entrega (e que
pode ter frustrado alguns), entretanto falta-lhe a ambigüidade e a
autenticidade que davam charme à “Nathalie X”.
A trama, aqui se prolonga para muito além do
desfecho do outro filme, levando a concessões mais óbvias de suspense, e dando
novas características (maniqueístas, alguns dirão) à personagem da garota de
programa.
Vale a pena lembrar que, para tanto, Atom
Egoyam deixa de lado qualquer impressão subliminar no clima de sedução que se
estabelece entre as duas protagonistas e faz com que Julianne Moore e Amanda
Seyfried (ambas belíssimas) protagonizem uma cena de sexo de alta temperatura
erótica (e esse, talvez, fosse afinal o propósito dessa refilmagem: Levar a
trama à um ponto radical onde o filme francês não quis –ou não se atreveu –ir).
Nesse sentido, “O Preço da Traição” faz lembrar
outra refilmagem, "Os Infiltrados", onde Martin Scorsese, buscou
ampliar e ramificar muito do que era sugerido no original chinês, “Conflitos
Internos”, culminando com um filme mais pop e menos inteligente.
Dentre os dois, meu predileto é “Nathalie X”,
mas não nego certa “beleza” que há em “O Preço da Traição”.
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