segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Nathalie X / O Preço da Traição

A idéia de refilmar um filme flutua entre impressões ora equivocadas, ora nobres. É pertinente, por exemplo, a proposta de um aprimoramento técnico oferecido pelos recursos digitais da atualidade, ou até mesmo a transfiguração deste ou daquele tema sob o viés de uma mente artística diferente (Caso de “A Mosca” de David Cronenberg). Muitos, porém, são os detratores desse hábito, para os quais exemplos não faltam, afirmando que refilmagens são cópias preguiçosas (e, não raro, desrespeitosas!) do filme original.
Quando funcionam, estes trabalhos em que outro diretor revisita a mesma premissa de outro filme e leva à ele um novo e diferenciado enfoque, servem para comparar os elementos interessantes do material, e o modo como distintos realizadores enfatizam suas peculiaridades à medida que identificam ali as ressonâncias de sua própria obra.
Tomemos o exemplo deste dois filmes: o francês “Nathalie X” e o canadense “O Preço da Traição”.
O filme francês relata a história de uma dona de casa de classe alta descobrindo que seu marido cometeu adultério e ficando intrigada com a mulher que supostamente teria sido sua amante, uma belíssima acompanhante de luxo. Após uma série de atos relutantes da parte da primeira, elas acabam se conhecendo e pondo tudo em pratos limpos, mas desse contato surge uma estranha relação entre as duas, que por vezes parece ter conotações homossexuais.
Como é de um certo costume no cinema francês há um drama de sutil carga erótica na narrativa, que principia partir de um enredo que remete à “A Bela da Tarde” (a mulher burguesa envolvida deliberadamente com o mundo da prostituição), mas toma um rumo diferente (até inesperado numa determinada cena), embora soe disperso em contrapartida à sua inquestionável elegância: Parece ser do interesse da diretora Anne Foutaine que a narrativa privilegie a sugestão ao fato no que diz respeito ao seu erotismo, e para tanto, ela tira muito bom proveito de suas duas excelentes atrizes; a madura e elegante Fanny Ardant e a sexy e angelical Emmanuelle Béart.
Acontece que “Nathalie X”, talvez pelos elementos que o filme habilmente preserva subentendidos para o público, era uma dessas obras que sinalizam o interesse de outros realizadores. E uma refilmagem não tardou a ser produzida.

Orquestrada pelo talentoso e desigual Atom Egoyam (diretor e roteirista de “O Doce Amanhã”), “O Preço da Traição” –“Chloe”, no original –parte da mesma premissa, modificando uma série de coisas, a ponto de tornar-se quase um filme diferente.
Sob a esmagadora suspeita de ter sido traída, esposa dedicada de um renomado professor canadense (Liam Neeson, substituindo Gerard Depardieu, no original) contrata uma jovem garota de programa para seduzí-lo e depois lhe relatar passo a passo os detalhes de seus encontros. Aos poucos uma estranha conexão começa a surgir entre elas, tornando-se uma obsessão para a mais jovem.
Embora careça da sutileza do outro filme (e esta talvez seja, de fato, uma atitude proposital da parte da direção), alguns elementos são mais bem-resolvidos do que na obra original, conferindo unidade de ritmo, e um posicionamento de gênero que o filme francês não entrega (e que pode ter frustrado alguns), entretanto falta-lhe a ambigüidade e a autenticidade que davam charme à “Nathalie X”.
A trama, aqui se prolonga para muito além do desfecho do outro filme, levando a concessões mais óbvias de suspense, e dando novas características (maniqueístas, alguns dirão) à personagem da garota de programa.
Vale a pena lembrar que, para tanto, Atom Egoyam deixa de lado qualquer impressão subliminar no clima de sedução que se estabelece entre as duas protagonistas e faz com que Julianne Moore e Amanda Seyfried (ambas belíssimas) protagonizem uma cena de sexo de alta temperatura erótica (e esse, talvez, fosse afinal o propósito dessa refilmagem: Levar a trama à um ponto radical onde o filme francês não quis –ou não se atreveu –ir).
Nesse sentido, “O Preço da Traição” faz lembrar outra refilmagem, "Os Infiltrados", onde Martin Scorsese, buscou ampliar e ramificar muito do que era sugerido no original chinês, “Conflitos Internos”, culminando com um filme mais pop e menos inteligente.

Dentre os dois, meu predileto é “Nathalie X”, mas não nego certa “beleza” que há em “O Preço da Traição”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário