Em contraponto ao filme de 1955, de William
Wyller, esta refilmagem carrega nas tintas habituais com que Michael Cimino
costuma trabalhar: A tensão e a violência em níveis humanamente insuportáveis –talvez,
o único cineasta do mesmo período capaz de trabalhar tais mazelas com esse
mesmo senso analítico somado a um quase fetiche autoral seja o polêmico Oliver
Stone.
“Horas de Desespero” abre com as cenas magnificamente
panorâmicas de um carro em disparada, diminuto em meio às grandes montanhas.
Lembra muito o famigerado “O Portal do Paraíso”, do mesmo Cimino, na
grandiosidade de imagens que evoca, mas é, acima de tudo, uma oposição ao que
virá mais tarde: A confinação tensa e alarmante entre quatro paredes, onde os
personagens experimentarão a degradação física e emocional de uma situação-limite
até o fim.
De altíssima periculosidade, o criminoso
Michael Bosworth (Mickey Rourke, sempre formando com Cimino uma dupla matadora)
está prestes a escapar de trás das grades no dia de seu julgamento. Sua cúmplice,
para tanto, é a advogada Nancy Breyers (Kelly Lynch, uma das mulheres mais
deliciosas dos anos 1980 e 90) que dele se enamorou –é ela quem aparece
dirigindo o carro no início, plantado num lugar longínquo para uma apropriada
fuga em quatro rodas.
Corta para uma mansão nas imediações da classe
alta de Salt Lake City. Os Cornell são uma família tentando administrar uma
crise: Tim, o marido (Anthony Hopkins, pouco antes da aclamação por “Silêncio
dos Inocentes”) e Nora, a esposa (Mimi Rogers) estão prestes a se divorciar.
Diante disso, seus filhos, a adolescente May (Shauwnee Smith) e o pequeno Zack
(Danny Gerard) alternam rebeldia com indiferença.
Cimino não faz a menor questão de esconder o
fato de que, em algum momento, essas duas linhas narrativas irão se encontrar:
Michael é conhecido por sitiar mansões e fazer de reféns os moradores que
encontra lá dentro. E enquanto aguarda o contato relutante de Nancy, é
exatamente isso que ele faz com os Cornell, com a ajuda de dois comparsas, seu
irmão Wally (Elias Koteas) e o obtuso e potencialmente violento Albert (David
Morse).
Existe muito cinema nesta obra de Cimino: Seu filme
é um lembrete constante das nuances dúbias do film noir –a personagem
Nancy, uma femme fatale imersa em perplexidade, dividida entre a paixão e o
medo no flerte com o perigo, sendo nesse aspecto, o exemplo mais notável –e as referências
a Alfred Hitchcock –a trilha de David Mansfield, e seus rompantes agudos são um
testemunho à precisão de Bernard Herrmann, assim como a fotografia de Doug
Milsome busca, nas ocasionais cenas de deserto, um resgate de “Intriga
Internacional” à memória –se sobressaem com bastante ênfase.
Entretanto, é o cinema do próprio Cimino que
tem a mais forte ressonância. Ele toma emprestada a angústia de cada um de seus
trabalhos ao detalhar Tim, o dono da casa invadida, como um veterano do
Vietnam, irmanando-o então ao Michael Vronsky de “O Franco Atirador” e ao
Stanley White de “O Ano do Dragão” (interpretado, veja só, pelo próprio Mickey
Rourke). Como todos eles, Tim Cornell é o ex-combatente encontrando, não na
guerra, mas no cerne da sociedade americana a que pertence o verdadeiro gatilho
para seu tormento.
Pontuado por exageros que revelam-se bem
típicos do produtor Dino De Laurentis (com quem Cimino já havia feito “O Ano do
Dragão” e aparentemente havia tido uma boa relação profissional), “Horas de
Desespero” passa longe de ser o melhor trabalho do diretor: Sua encenação é
ocasionada por relapsos inacreditáveis e suas soluções passam longe de qualquer
sutileza. Mesmo quando elas têm alguma engenhosidade –como a esperta manobra de
Tim para ludibriar Michael no desfecho –a condução não lhes privilegia o
brilho.
No entanto, ainda está lá,
na alegórica cena final, a razão para ser este um projeto de Michael Cimino,
afinal; finda a terrível experiência pela qual tiveram que atravessar, os
Cornell dão as costas aos alvoroçados e ineficazes agentes do FBI e o próprio
retrato do alarmismo e da paranóia na sociedade norte-americana feito por
Cimino e terminam se fechando no sentimento que parece mais fazer sentido, ao realizador,
nos homens de boa vontade: A resignação.
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