terça-feira, 23 de maio de 2017

Horas de Desespero

Em contraponto ao filme de 1955, de William Wyller, esta refilmagem carrega nas tintas habituais com que Michael Cimino costuma trabalhar: A tensão e a violência em níveis humanamente insuportáveis –talvez, o único cineasta do mesmo período capaz de trabalhar tais mazelas com esse mesmo senso analítico somado a um quase fetiche autoral seja o polêmico Oliver Stone.
“Horas de Desespero” abre com as cenas magnificamente panorâmicas de um carro em disparada, diminuto em meio às grandes montanhas. Lembra muito o famigerado “O Portal do Paraíso”, do mesmo Cimino, na grandiosidade de imagens que evoca, mas é, acima de tudo, uma oposição ao que virá mais tarde: A confinação tensa e alarmante entre quatro paredes, onde os personagens experimentarão a degradação física e emocional de uma situação-limite até o fim.
De altíssima periculosidade, o criminoso Michael Bosworth (Mickey Rourke, sempre formando com Cimino uma dupla matadora) está prestes a escapar de trás das grades no dia de seu julgamento. Sua cúmplice, para tanto, é a advogada Nancy Breyers (Kelly Lynch, uma das mulheres mais deliciosas dos anos 1980 e 90) que dele se enamorou –é ela quem aparece dirigindo o carro no início, plantado num lugar longínquo para uma apropriada fuga em quatro rodas.
Corta para uma mansão nas imediações da classe alta de Salt Lake City. Os Cornell são uma família tentando administrar uma crise: Tim, o marido (Anthony Hopkins, pouco antes da aclamação por “Silêncio dos Inocentes”) e Nora, a esposa (Mimi Rogers) estão prestes a se divorciar. Diante disso, seus filhos, a adolescente May (Shauwnee Smith) e o pequeno Zack (Danny Gerard) alternam rebeldia com indiferença.
Cimino não faz a menor questão de esconder o fato de que, em algum momento, essas duas linhas narrativas irão se encontrar: Michael é conhecido por sitiar mansões e fazer de reféns os moradores que encontra lá dentro. E enquanto aguarda o contato relutante de Nancy, é exatamente isso que ele faz com os Cornell, com a ajuda de dois comparsas, seu irmão Wally (Elias Koteas) e o obtuso e potencialmente violento Albert (David Morse).
Existe muito cinema nesta obra de Cimino: Seu filme é um lembrete constante das nuances dúbias do film noir –a personagem Nancy, uma femme fatale imersa em perplexidade, dividida entre a paixão e o medo no flerte com o perigo, sendo nesse aspecto, o exemplo mais notável –e as referências a Alfred Hitchcock –a trilha de David Mansfield, e seus rompantes agudos são um testemunho à precisão de Bernard Herrmann, assim como a fotografia de Doug Milsome busca, nas ocasionais cenas de deserto, um resgate de “Intriga Internacional” à memória –se sobressaem com bastante ênfase.
Entretanto, é o cinema do próprio Cimino que tem a mais forte ressonância. Ele toma emprestada a angústia de cada um de seus trabalhos ao detalhar Tim, o dono da casa invadida, como um veterano do Vietnam, irmanando-o então ao Michael Vronsky de “O Franco Atirador” e ao Stanley White de “O Ano do Dragão” (interpretado, veja só, pelo próprio Mickey Rourke). Como todos eles, Tim Cornell é o ex-combatente encontrando, não na guerra, mas no cerne da sociedade americana a que pertence o verdadeiro gatilho para seu tormento.
Pontuado por exageros que revelam-se bem típicos do produtor Dino De Laurentis (com quem Cimino já havia feito “O Ano do Dragão” e aparentemente havia tido uma boa relação profissional), “Horas de Desespero” passa longe de ser o melhor trabalho do diretor: Sua encenação é ocasionada por relapsos inacreditáveis e suas soluções passam longe de qualquer sutileza. Mesmo quando elas têm alguma engenhosidade –como a esperta manobra de Tim para ludibriar Michael no desfecho –a condução não lhes privilegia o brilho.
No entanto, ainda está lá, na alegórica cena final, a razão para ser este um projeto de Michael Cimino, afinal; finda a terrível experiência pela qual tiveram que atravessar, os Cornell dão as costas aos alvoroçados e ineficazes agentes do FBI e o próprio retrato do alarmismo e da paranóia na sociedade norte-americana feito por Cimino e  terminam se fechando no sentimento que parece mais fazer sentido, ao realizador, nos homens de boa vontade: A resignação.

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