segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Brooklyn

É lindo ver o crescimento de Saoirse Ronan, seja como pessoa, seja como atriz: Desde sua revelação em “Desejo e Reparação”, aos 13 anos, passando por papéis como a protagonista letal de “Hanna”, e a jovem vítima em “Um Olhar do Paraíso”, culminando com sua presença como bela mulher e atriz de rara sensibilidade neste belíssimo “Brooklyn”.
Dificilmente o filme de John Crowley funcionaria sem ela, e sem a inquestionável identificação que se percebe entre a intérprete e a personagem (Saoirse, como a protagonista que interpreta, é descendente direta de irlandeses), o esmero com que ela registra, portanto, essa jovem às voltas com a dura sensação de não pertencer a lugar nenhum –e que se reflete não somente em maneirismos impecavelmente estudados, mas, num olhar que transmite vastas e infindáveis emoções –vem a ser o eixo de todo o filme.
Essa jovem em questão chama-se Eilis, e sua casa é numa pequenina aldeia na Irlanda da década de 1930, cuja condição de vida é inescapavelmente árdua: São deprimentes os mandos e desmandos que ela sofre de sua patroa numa das poucas ocupações à disposição no lugar, a de atendente numa mercearia local. São deprimentes as escassas opções que uma jovem de vinte anos como ela tem para se divertir –no caso, os modorrentos bailes no único salão, onde as garotas devem se submeter à arrogância dos rapazes. E certamente, são deprimentes os dias rotineiros que passa a cuidar da mãe (Jane Brennan), sempre adoecida e angustiada, ao lado da carinhosa irmã mais velha (Fiona Glascott).
É essa irmã quem vislumbra para ela um futuro melhor, e negocia com um padre irlandês (Jim Broadbent), morador em Nova York de longa data, a sua ida para lá. Eilis encara a longa e penosa viagem de navio –com direito à uma ingrata disputa pelo banheiro com as vizinhas de quarto e toda a sorte de enjôo e mau estar! –a preocupante tentativa em parecer despreocupada no momento em que passar pela vistoria de imigração e, após sua chegada, a dilacerante e imprevista saudade da terra-natal.
No Brooklyn, ela se hospeda na pensão de uma senhora falante e espirituosa (uma notável participação de Julie Walters), onde convive com outras moças vindas da Irlanda, e passa a trabalhar em uma loja refinada do bairro. Aos poucos, Eilis se adapta a essa nova vida: Adquire a sofisticação dos moradores típicos de uma metrópole, começa a namorar um italiano (Emory Cohen, empenhado e simpático), a fazer um curso de escriturária e assim, a sentir-se mais confortável nesse novo lugar, capaz de oferecer os recursos diversos para uma vida melhor que ela antes não tinha.
Há uma sutil reviravolta no roteiro quando ocorre uma tragédia pessoal que obriga Eilis à um breve retorno para a Irlanda. Quando chega lá é que percebemos a maravilha da sutileza com que a atriz trabalhou a metamorfose da personagem: Eilis, ao longo do filme, tornou-se uma mulher radiante que, na segunda parte da trama, contrasta radicalmente com a cidadezinha cinzenta, desanimada e lúgubre que ela deixou no início.
À princípio, certa de que sua permanência seria rápida, Eilis vê as circunstâncias conspirarem contra o seu retorno para Nova York: Agora, não só a mãe expressa a necessidade de sua presença (coisa que antes não demonstrava), mas, aparece também um tal de Jim (Doomhall Gleeson, de “Questão de Tempo”), um bom partido, interessado, cavalheiro e cativante, que trata de providenciar para Eilis uma ocupação nos escritórios da família que satisfaça as aptidões que ela conseguiu em seu curso.
É um dilema que se desenha, então: Se antes Nova York era a terra dos sonhos onde, inclusive, Eilis encontrou o amor, agora, a própria Irlanda onde morou, antes tão inóspita e opressiva, revela condições de sobra onde ela poderia ser feliz.
Jamais pender com excesso para um lado ou para outro é um dos grandes achados do filme cuja sutileza com a qual é conduzido encontra rival apenas em seu admirável equilíbrio e objetividade –tal e qual nos grandes e irretocáveis filmes, todas as peças da narrativa de John Crowley estão lá para prestar uma contribuição inestimável ao produto final; não existe uma cena, um personagem ou uma fala de roteiro que não tenha uma importância vital no desenrolar do enredo, como descobriremos no desfecho, inevitável e, talvez, até previsível, mas não menos vibrante e encantador.
Sem sombra de dúvidas, características que levaram “Brooklyn” a concorrer, merecidamente, ao Oscar de Melhor Filme em 2016, perdendo para “Spotlight-Segredos Revelados”, num ano que contava com obras do porte de “Mad Max-Estrada da Fúria” e “O Regresso” (este também com Doomhall Gleeson no elenco). A bela Saoirse Ronan também concorreu ao Oscar de Melhor Atriz (perdendo para Brie Larson por “O Quarto de Jack”) no que deve ter sido o reconhecimento para o seu maior mérito: Uma atriz linda, expressiva e emotiva que consegue com seu talento elevar todo um filme a um nível maior.

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