É lindo ver o crescimento de Saoirse Ronan,
seja como pessoa, seja como atriz: Desde sua revelação em “Desejo e Reparação”,
aos 13 anos, passando por papéis como a protagonista letal de “Hanna”, e a
jovem vítima em “Um Olhar do Paraíso”, culminando com sua presença como bela
mulher e atriz de rara sensibilidade neste belíssimo “Brooklyn”.
Dificilmente o filme de John Crowley
funcionaria sem ela, e sem a inquestionável identificação que se percebe entre
a intérprete e a personagem (Saoirse, como a protagonista que interpreta, é
descendente direta de irlandeses), o esmero com que ela registra, portanto,
essa jovem às voltas com a dura sensação de não pertencer a lugar nenhum –e que
se reflete não somente em maneirismos impecavelmente estudados, mas, num olhar
que transmite vastas e infindáveis emoções –vem a ser o eixo de todo o filme.
Essa jovem em questão chama-se Eilis, e sua
casa é numa pequenina aldeia na Irlanda da década de 1930, cuja condição de
vida é inescapavelmente árdua: São deprimentes os mandos e desmandos que ela
sofre de sua patroa numa das poucas ocupações à disposição no lugar, a de
atendente numa mercearia local. São deprimentes as escassas opções que uma
jovem de vinte anos como ela tem para se divertir –no caso, os modorrentos
bailes no único salão, onde as garotas devem se submeter à arrogância dos
rapazes. E certamente, são deprimentes os dias rotineiros que passa a cuidar da
mãe (Jane Brennan), sempre adoecida e angustiada, ao lado da carinhosa irmã
mais velha (Fiona Glascott).
É essa irmã quem vislumbra para ela um futuro
melhor, e negocia com um padre irlandês (Jim Broadbent), morador em Nova York de
longa data, a sua ida para lá. Eilis encara a longa e penosa viagem de navio
–com direito à uma ingrata disputa pelo banheiro com as vizinhas de quarto e
toda a sorte de enjôo e mau estar! –a preocupante tentativa em parecer
despreocupada no momento em que passar pela vistoria de imigração e, após sua
chegada, a dilacerante e imprevista saudade da terra-natal.
No Brooklyn, ela se hospeda na pensão de uma
senhora falante e espirituosa (uma notável participação de Julie Walters), onde
convive com outras moças vindas da Irlanda, e passa a trabalhar em uma loja
refinada do bairro. Aos poucos, Eilis se adapta a essa nova vida: Adquire a
sofisticação dos moradores típicos de uma metrópole, começa a namorar um
italiano (Emory Cohen, empenhado e simpático), a fazer um curso de escriturária
e assim, a sentir-se mais confortável nesse novo lugar, capaz de oferecer os
recursos diversos para uma vida melhor que ela antes não tinha.
Há uma sutil reviravolta no roteiro quando ocorre
uma tragédia pessoal que obriga Eilis à um breve retorno para a Irlanda. Quando
chega lá é que percebemos a maravilha da sutileza com que a atriz trabalhou a
metamorfose da personagem: Eilis, ao longo do filme, tornou-se uma mulher
radiante que, na segunda parte da trama, contrasta radicalmente com a
cidadezinha cinzenta, desanimada e lúgubre que ela deixou no início.
À princípio, certa de que sua permanência seria
rápida, Eilis vê as circunstâncias conspirarem contra o seu retorno para Nova
York: Agora, não só a mãe expressa a necessidade de sua presença (coisa que
antes não demonstrava), mas, aparece também um tal de Jim (Doomhall Gleeson, de
“Questão de Tempo”), um bom partido, interessado, cavalheiro e cativante, que
trata de providenciar para Eilis uma ocupação nos escritórios da família que
satisfaça as aptidões que ela conseguiu em seu curso.
É um dilema que se desenha, então: Se antes
Nova York era a terra dos sonhos onde, inclusive, Eilis encontrou o amor,
agora, a própria Irlanda onde morou, antes tão inóspita e opressiva, revela
condições de sobra onde ela poderia ser feliz.
Jamais pender com excesso para um lado ou para
outro é um dos grandes achados do filme cuja sutileza com a qual é conduzido
encontra rival apenas em seu admirável equilíbrio e objetividade –tal e qual
nos grandes e irretocáveis filmes, todas as peças da narrativa de John Crowley
estão lá para prestar uma contribuição inestimável ao produto final; não existe
uma cena, um personagem ou uma fala de roteiro que não tenha uma importância
vital no desenrolar do enredo, como descobriremos no desfecho, inevitável e,
talvez, até previsível, mas não menos vibrante e encantador.
Sem sombra de dúvidas,
características que levaram “Brooklyn” a concorrer, merecidamente, ao Oscar de
Melhor Filme em 2016, perdendo para “Spotlight-Segredos Revelados”, num ano que
contava com obras do porte de “Mad Max-Estrada da Fúria” e “O Regresso” (este
também com Doomhall Gleeson no elenco). A bela Saoirse Ronan também concorreu
ao Oscar de Melhor Atriz (perdendo para Brie Larson por “O Quarto de Jack”) no
que deve ter sido o reconhecimento para o seu maior mérito: Uma atriz linda,
expressiva e emotiva que consegue com seu talento elevar todo um filme a um
nível maior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário