A idéia de uma fusão entre animação e
live-action sempre foi um objetivo dos Estúdios Disney –Quem não lembra das
cenas de “A Canção do Sul”, de 1946, ou a seqüência envolvendo os pingüins animados
em “Mary Poppins”? –mas, havia todo um empecilho técnico limitando esse
intento: A animação destoava da realidade simplesmente porque haviam barreiras
evidentes que separavam as duas linguagens; e dizer isso soa antiquado nos dias
de hoje, quando a computação gráfica oferece a cada ano novas inovações em
forma de longas animados.
Poucas inovações técnicas, contudo, tiveram uma
ressonância tão poderosa quanto “Uma Cilada Para Roger Rabbit”, de 1988, que
prometeu (e cumpriu!) uma união sem precedentes de atores reais e personagens
animados em cena.
Isso só foi possível graças à junção da Disney
com o produtor Steven Spielberg, detentor de vastos recursos no campo dos
efeitos visuais, graças a sua amizade de longa data com George Lucas, o dono da
Industrial Light & Magic, a empresa responsável pela magia que se
testemunha na tela.
Para dirigir essa junção entre desenho e filme
(e ciente de que tal junção precisaria ter a especificação de uma narrativa que
englobasse o dinamismo natural das animações à encenação real) Spielberg chamou
seu apadrinhado, Robert Zemeckis (que tinha dirigido para o próprio Spielberg o
sucesso “De Volta Para O Futuro” e teve de adiar em três anos as filmagens das
duas continuações para concretizar este projeto).
Zemeckis deu a condução narrativa e a percepção
ideal para que os efeitos visuais complexos que colocavam desenhos e atores
lado a lado transcorressem com naturalidade em cena. A história, também ela, contribuía
para essa experiência sensorial: Numa brilhante sacada de metalinguagem,
Hollywood, nos anos 1930, é uma indústria que produz desenhos animados (os
chamados cartoons) da mesma forma que produzia filmes; os personagens animados
são astros que se comportam longe das câmeras que maneira quase sempre distinta
do que são em frente à elas –e esse retrato fantasioso mas não despido de lógica
e observação aproveita para lançar mão de pontas luxuosas de verdadeiros astros
animados como Pateta, Betty Boop (numa cena em que relata ao protagonista seu
problema de desemprego, já que é um desenho em preto & branco, e agora eles
só eram feitos à cores), Pato Donald e, numa cena considerada histórica, um
encontro entre Mickey Mouse e o Coelho Pernalonga (cedido pela Warner sob a
condição de que aparecesse durante o mesmo tempo de cena que o Mickey!).
Um dos grandes astros dos estúdios daquele período
é o coelho Roger Rabbit.
Mas, como muitos astros de carne e osso daquele
mesmo período, Roger tem um casamento cujas atribulações dão dor de cabeça aos
produtores; sua esposa é, também ela, uma animação, no entanto, não há nada do
histrionismo e da fanfarronice que sobra em Roger –trata-se da inacreditavelmente
sexy Jessica Rabbit.
Sobra para o protagonista do filme, o detetive
particular Eddie Valiant (o ótimo Bob Hoskin, se esbaldando com um divertido
retrato de um herói de film noir e com a pantomina exigida pela sua interação com
as dezenas de personagens animados) fazer assim um trabalhinho sujo: Tirar
fotos que flagrem um instante de adultério de Jessica com um provável amante.
Contudo, o tal amante, dono das terras onde
fica a tal cidade dos desenhos, Toontown, aparece morto e as circunstâncias
tornam Roger Rabbit, que desapareceu, o suspeito número 1. Em sua mentalidade
algo non-sense de cartoon, Roger procura pelo próprio Valiant para lhe ajudar:
Já que foi ele quem o colocou nessa encrenca!
Na verdade, tudo é uma conspiração cheia de
segredos e reviravoltas que podem impressionar quem espera um filme leve
(embora ele o seja) com uma trama simplória: “Roger Rabbit” aposta alto na
inteligência do público, mesmo aquele que assiste produções censura livre, e
oferece muito o que ver à platéia adulta também –são inúmeras as referências ao
cinema noir (grande homenageado do filme) e outras tantas aos desenhos da Era
de Ouro de Hollywood, aqueles que os pequenos certamente não tinham idade para
ter visto.
Tudo, porém, fica redundante diante do assombro
que é a interação perfeita e espantosa dos cartoons com os atores reais: Um
misto de arrojada animação com computação gráfica (que à época ainda era uma
ferramenta bastante experimental) dá às imagens animadas um formato
tridimensional que lhes confere textura e saliência, tal e qual os personagens
de carne e osso; a partir daí, são incessantes as cenas sensacionais que o
diretor Zemeckis entrega uma a uma.
“Roger Rabbit” não foi o
primeiro filme a buscar tal efeito –os já mencionados “A Canção do Sul” e “Mary
Poppins” são prova disso, além de inúmeras outras tentativas menos expressivas –e
certamente não foi o último –a ele seguiu-se, nas décadas seguintes, os
irregulares “Space Jam-O Jogo do Século” (que reunia o jogador de basquete
Michael Jordan e o Pernalonga), “Looney Tunes-De Volta À Ação”, de Joe Dante, e
até mesmo o italiano e malicioso “Volere, Volare”, de Maurizio Nichetti –mas a
realização conjunta de Steven Spielberg e dos Estúdios Disney, capitaneada por
Robert Zemeckis, entrou para a história do cinema como o mais perfeito exemplo
de um efeito visual que hoje pode parecer antiquado, mas continua traduzindo
brilhantemente a máxima de “sonho tornado realidade”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário