À época, não apenas o falecido ator Bill Paxton
como também o diretor Sam Raimi –anos antes de dirigir a Trilogia
“Homem-Aranha” –tinham dificuldade para expor seus talentos ao público e à
crítica; Paxton estava atrelado aos personagens histriônicos com algo de
engraçado, que ele viveu em “Aliens-O Resgate”, “Quando Chega A Escuridão” e “O
Predador 2”, o quê normalmente lhe relegava ao cargo de coadjuvante (e, não
raro, o aprisionava num único papel); já Raimi estava a uma década digerindo a
repercussão do cult “Evil Dead”, às voltas com suas estranhas continuações –ele
havia feito também o notável “Darkman-Vingança Sem Rosto” e seu último
trabalho, antes de hiato de tempo considerável, havia sido a irregular
homenagem aos faroeste spaghetti “Rápida e Mortal”, com Sharon Stone.
A chance para ambos, ator e diretor, mostrarem
o alcance de suas capacidades veio com “Um Plano Simples”, adaptado do livro de
Scott Smith pelo próprio autor com um roteiro fenomenal.
Na trama, que se inicia numa sutil narração em
primeira pessoa, descobrimos que a rotina e a mediocridade da vida numa
cidadezinha esbranquiçada de neve pesa sobre Hank –papel que Bill Paxton
incorpora com minúcia e austeridade inéditas em sua carreira.
Numa manobra narrativa que irmana esta produção
à “Fargo”, dos Irmãos Coen, lançado poucos anos antes (e com o qual este belo
trabalho guarda, de fato, algumas semelhanças que vão além da ambientação
gélida, o visual branco monocromático e a modernização do suspense noir), o
diretor Raimi estabelece a constante pontuação de ironia e crueldade do filme
ao iniciar a premissa com um avião caído no meio da neve.
A chance de Hank escapar de sua vida medíocre
está lá: Dentro desse avião, uma maleta de dinheiro, fruto provavelmente de uma
venda de drogas, parece estar à disposição dos afortunados que primeiro
achá-la. E eles vêem a ser Hank, seu irmão Jacob (Billy Bob Thornton, numa
performance estupenda) e o amigo dele Lou (Brent Briscoe).
Como o título sugere, o procedimento para que
todos se dêem bem é de uma simplicidade irresistível, e tal plano é incentivado
e acrescido de opiniões e sugestões incisivas pela esposa de Hank, Sarah (Bridget
Fonda, cujo rosto de boa moça esconde a personagem mais manipuladora da trama).
E, de novo, há uma curiosa analogia para com
“Fargo”: Sarah está grávida, assim como a protagonista de Frances McDormand
naquele filme –na visão concordata de ambos os realizadores (Raimi e os Coen)
parece haver uma concessão entre os habitantes desses enredos sórdidos, onde
suas convicções se enfraquecem diante de uma mulher e seu poder singular de
gerar a vida; e essa concessão pode ser usada em favor da justiça (como em
“Fargo”) e em prol da ganância pessoal (como aqui).
A decisão conjunta de todos é que Hank guarde o
dinheiro por um tempo –pelo menos, um ano –e depois, todos o dividirão e farão
aquilo que quiserem.
Mas, Lou não permite que esse plano siga com
tranqüilidade: Beberrão, endividado e inconveniente, ele quer dinheiro o quanto
antes e, diante das negativas que eventualmente recebe, se torna mais e mais
instável, ameaçando o comprometimento do plano (e até mesmo usando isso como
chantagem).
Isso e mais o aparecimento de alguns
traficantes disfarçados de policiais –e muito interessados em reaver o dinheiro
–mostram a eles como seu plano, antes tão simples, tinha potencial de sobra
para se complicar.
Demonstrando habilidade em uma percepção adulta
para com o traquejo dramático da tensão –que suas obras no gênero de terror e
de fantasia jamais dariam indicação que ele tinha –Raimi conduz brilhantemente
este trabalho envolvente e palpitante, onde ele contrapõe as personalidades de
Hank e Jacob, cada um magnificamente defendido por seu intérprete (Thornton
chegou a ser indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante), como os grandes
catalizadores das situações que surgem.
Terminando de maneira surpreendente nas mesmas
cenas com as quais se iniciou, “Um Plano Simples” assombra o expectador com um
desfecho que amarra os acontecimentos do início de uma forma atroz, genial e
perfeita para os propósitos da trama e do próprio gênero em si: O film noir,
como atestam os grandes realizadores –mesmo os pós-modernos –trata quase sempre
da queda sem retorno, sem folga e sem ressalvas em um grande abismo moral.
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