sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Desejo e Reparação

Depois de uma maravilhosa adaptação de “Orgulho e Preconceito” –filme que considero superior a este –o diretor Joe Wright, junto de sua estrela inglesa Keira Knightley, aventurou-se no desembaraço de uma narrativa mais complexa, oriunda do livro algo desafiador de Ian McEwan –autor que escreveu o romance que resultou no também desafiador “O Jardim de Cimento”.
No caso deste “Desejo e Reparação”, as complicações recaem sobre as múltiplas ramificações que a noção de narrativa proporciona, quando afetadas pela distinção dos pontos de vista, pela insuficiência transformadora dos detalhes e, por fim, pelo arrependimento.
A menina Briony (interpretada com surpreendente expressividade e noção de cena pela jovem Saiorse Ronan), como toda jovem aspirante à escritora, tem uma percepção dramática e imaginativa dos fatos à sua volta. E, na mansão bucólica e aristocrata em que vive no início do século XX, os desenlaces mais dignos de atenção são aqueles que cercam o inquieto romance de sua irmã mais velha Cecilia (Keira Knightley) com Robbie (James McAvoy) um dos empregados da casa.
Munida de conclusões errôneas e deturpadas por aquilo que viu nos últimos dias de verão, Briony acaba condenando os sonhos de felicidade e amor de sua irmã e Robbie ao acusá-lo de um estupro.
Nos anos que se seguem, ela já crescida (e interpretada pela bela Romola Garai, que atuou com McAvoy no drama inglês “Os Melhores Dias de Nossas Vidas”) se dará conta do erro que cometeu, e tentará repará-lo trabalhando obstinadamente como enfermeira num hospital já em meio à Segunda Guerra Mundial. Para a angustiada Briony, o mal que acomete o mundo é menos um reflexo do conflito e mais uma conseqüência de tudo que ela fez e percebe ser irreparável: Mais velha, ela começa a compreender o terrível equívoco que cometeu, o quê levou à injustiça que separou o casal apaixonado.
No mesmo período de tempo, o próprio Robbie, lutando na mal-fadada frente de batalha em Dunkirk, busca se reencontrar com sua amada Cecilia. Há uma cena, breve e dolorosa, onde os três se reencontram e várias recriminações –sobretudo à Briony –são verbalizadas.
O filme de Wright salta então para o tempo presente, onde acompanhamos Briony na velhice (vivida pela grande Vanessa Redgrave), consagrada como escritora e prestando uma entrevista onde vários pontos pessoais são colocados em questão, e a estrutura construída para o roteiro do filme é assim decifrada, revelando as intervenções que a própria Briony e sua irreprimível vontade de mudar o passado operaram na triste história de Robbie e Cecilia.
O belo trabalho do diretor Joe Wright representa assim um passo a mais em termos de sofisticação como cineasta (e o reconhecimento disso foram as indicações ao Globo de Ouro e ao Oscar que o filme recebeu), ainda que sua obra sofra de algum desequilíbrio dramático, resultando comiserativa. McAvoy e a bela Keira Knightley rendem bem em seus papéis e nas distintas versões em que eles são observados, mas as grandes performances são mesmo das atrizes que interpretam Briony em suas três fases: Saiorse Ronan, Romola Garai e Vanesssa Redgrave.

Por meio delas se vislumbra o objetivo moral da trama, uma dissertação dolorida e criteriosa sobre a expiação existencial presente na dicotomia entre memória, nostalgia e ficção.

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