Já na cena inicial, a câmera percorre com
desalento a poeirenta e solitária cidadezinha texana aonde toda trama irá se
passar.
Este filme de Peter Bogdanovich (talvez, o
melhor que ele já realizou) dedica-se a relacionar a condição imutável de uma
cidade longínqua com a mais profunda sensação de desconforto –desse esforço
surgiu até mesmo a decisão de filmá-lo em preto & branco drenando das
imagens a beleza das cores.
Tão hábil, contudo, é o trabalho de Bogdanovich
aqui que seu talento quase depõe contra seu objetivo: “A Última Sessão de
Cinema” mostra-se tão incrivelmente envolvente e prazeroso que é preciso
atenção para perceber que ele, lá no fundo, ele quer mesmo é incomodar.
O filme acompanha a trajetória de alguns
personagens específicos –jovens em sua maioria –enfatizando o fato de que, cada
um a sua maneira, eles se sentem presos àquela monotonia que corre o risco de
engoli-los.
O jovem Sonny (Timothy Bottoms) houve a toda
hora provocações acerca do desempenho lamentável do time escolar no qual joga.
Ele não liga para isso, como também não liga para os amigos que encontra no bar
de sinuca de Sam (o vencedor do Oscar de Coadjuvante Ben Johnson, formidável) e
nem para a atual namorada que ocasionalmente lhe deixa bulinar os seios durante
das sessões do cinema local.
Sonny, no entanto, encontra uma espécie de
atalho para uma vida sexual mais satisfatória quando começa a se encontrar com
Ruth (Cloris Leachman, também vencedora do Oscar de Coadjuvante), a
negligenciada esposa do técnico da escola.
Entretanto, se há alguém que mexe com a libido
de Sonny –assim como da maioria dos homens da cidade –é a bela Jacy (Cybill
Shepherd, uma aparição!) que namora o melhor amigo dele, Duane (Jeff Bridges).
Se, em princípio, Jacy aparenta ter boas
intenções ao defender o pobre Duane contra sua mão (Ellen Burstyn), que o
rejeita como genro por ser pobre, logo descobrimos que a própria Jacy tem lá
sua falta de escrúpulos: Ela engana Duane para ir a uma festa de adolescentes
ricos da cidade onde sabe que todos ficarão nus.
Mais tarde, transa com um dos empregados de seu
pai e, na seqüência –quando já se entediou de Duane e o deixou de lado –usa de
sua beleza e sensualidade para seduzir Sonny apenas porque descobriu que ele
estava se envolvendo com a quarentona Ruth.
De situação em situação, de personagem em
personagem, acompanhando cada uma de suas angústias, o filme de Bogdanovich se
desenvolve de maneira episódica, sublinhando com mais interesse os desdobramentos
sexuais que enlaçam os indivíduos uns aos outros e observando com alguma poesia
a deterioração acarretada pela amargura.
Tudo o que já não era muito bom se intensifica
em sua desolação à medida que a trama avança; como a lamentável derradeira
sessão no cinema local –a exibir um filme de John Ford, diretor que Bogdanovich
emula com insuspeita devoção –que coincide, também, com a agridoce despedida de
Sonny e Duane quando este último parte para lutar na Guerra da Coréia.
Ao capturar essa impressão consternada de um
mundo cuja cultura e tradição se vêem no amargo limiar de mudanças
irreversíveis (no caso, os anos 1950), Bogdanovich –talvez, não deliberadamente
–refletiu o lamento para com as irreprimíveis mudanças que o próprio cinema
experimentou naqueles idos de 1970 (quando uma nova geração buscava o
pioneirismo rompendo com as formalidades) ao enaltecer aqui todas as
características técnicas e artísticas presentes na geração anterior de
cineastas, como Howard Hawks e o próprio John Ford.
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