quinta-feira, 26 de julho de 2018

A Última Sessão de Cinema


Já na cena inicial, a câmera percorre com desalento a poeirenta e solitária cidadezinha texana aonde toda trama irá se passar.
Este filme de Peter Bogdanovich (talvez, o melhor que ele já realizou) dedica-se a relacionar a condição imutável de uma cidade longínqua com a mais profunda sensação de desconforto –desse esforço surgiu até mesmo a decisão de filmá-lo em preto & branco drenando das imagens a beleza das cores.
Tão hábil, contudo, é o trabalho de Bogdanovich aqui que seu talento quase depõe contra seu objetivo: “A Última Sessão de Cinema” mostra-se tão incrivelmente envolvente e prazeroso que é preciso atenção para perceber que ele, lá no fundo, ele quer mesmo é incomodar.
O filme acompanha a trajetória de alguns personagens específicos –jovens em sua maioria –enfatizando o fato de que, cada um a sua maneira, eles se sentem presos àquela monotonia que corre o risco de engoli-los.
O jovem Sonny (Timothy Bottoms) houve a toda hora provocações acerca do desempenho lamentável do time escolar no qual joga. Ele não liga para isso, como também não liga para os amigos que encontra no bar de sinuca de Sam (o vencedor do Oscar de Coadjuvante Ben Johnson, formidável) e nem para a atual namorada que ocasionalmente lhe deixa bulinar os seios durante das sessões do cinema local.
Sonny, no entanto, encontra uma espécie de atalho para uma vida sexual mais satisfatória quando começa a se encontrar com Ruth (Cloris Leachman, também vencedora do Oscar de Coadjuvante), a negligenciada esposa do técnico da escola.
Entretanto, se há alguém que mexe com a libido de Sonny –assim como da maioria dos homens da cidade –é a bela Jacy (Cybill Shepherd, uma aparição!) que namora o melhor amigo dele, Duane (Jeff Bridges).
Se, em princípio, Jacy aparenta ter boas intenções ao defender o pobre Duane contra sua mão (Ellen Burstyn), que o rejeita como genro por ser pobre, logo descobrimos que a própria Jacy tem lá sua falta de escrúpulos: Ela engana Duane para ir a uma festa de adolescentes ricos da cidade onde sabe que todos ficarão nus.
Mais tarde, transa com um dos empregados de seu pai e, na seqüência –quando já se entediou de Duane e o deixou de lado –usa de sua beleza e sensualidade para seduzir Sonny apenas porque descobriu que ele estava se envolvendo com a quarentona Ruth.
De situação em situação, de personagem em personagem, acompanhando cada uma de suas angústias, o filme de Bogdanovich se desenvolve de maneira episódica, sublinhando com mais interesse os desdobramentos sexuais que enlaçam os indivíduos uns aos outros e observando com alguma poesia a deterioração acarretada pela amargura.
Tudo o que já não era muito bom se intensifica em sua desolação à medida que a trama avança; como a lamentável derradeira sessão no cinema local –a exibir um filme de John Ford, diretor que Bogdanovich emula com insuspeita devoção –que coincide, também, com a agridoce despedida de Sonny e Duane quando este último parte para lutar na Guerra da Coréia.
Ao capturar essa impressão consternada de um mundo cuja cultura e tradição se vêem no amargo limiar de mudanças irreversíveis (no caso, os anos 1950), Bogdanovich –talvez, não deliberadamente –refletiu o lamento para com as irreprimíveis mudanças que o próprio cinema experimentou naqueles idos de 1970 (quando uma nova geração buscava o pioneirismo rompendo com as formalidades) ao enaltecer aqui todas as características técnicas e artísticas presentes na geração anterior de cineastas, como Howard Hawks e o próprio John Ford.

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