terça-feira, 20 de novembro de 2018

O Homem Que Sabia Demais


Alfred Hitchcock, com estes dois projetos, um de 1934, o outro de 1955, se colocou na lista dos raros diretores que tiveram a tarefa de refilmar seu próprio trabalho.
Se, anos depois, Michal Haneke (com “Violência Gratuita”), ou o holandês George Sluizer (com “O Silêncio do Lago”), deram repaginações que questionavam a própria mecânica da recriação artística despida de intenções comerciais (como o primeiro), ou indiscutivelmente inferiores e duvidosas (como o segundo), Hitchcock, ao seu jeito quase descompromissado, na disposição de conceber um filme que fosse plenamente satisfatório, entrega quase que em ambos os casos, uma aula de cinema.
O primeiro “O Homem Que Sabia Demais” surgiu ainda na fase britânica, quando não apenas o mestre tateava em busca do estilo que o tornaria o primeiro nome em suspense, como também o próprio cinema estava ainda a encontrar suas próprias definições e delimitações –embora já um filme falado, a narrativa do filme é, portanto, ainda impregnada de vários maneirismo contumazes do cinema mudo, a começar pela pantomina mais pronunciada dos intérpretes (sobretudo, a criança, que se sai muito bem) e a composição de certas cenas de ação (como a primeira) que desembocam num silêncio ora incômodo –esse lapso, é preciso dizer, é magnificamente sanado na sequência final do tiroteio, de uma execução técnica notável.
Leslie Banks e Edna Best vivem um casal europeu em férias nos Alpes. Um incidente envolvendo sua filha (Nova Pilbeam) os torna amigos de um atleta de uma competição de esqui nas redondezas. Durante uma festa, ele é assassinado, não sem antes passar instruções aos dois acerca de um segredo que precisa chegar até o Serviço Secreto Inglês: Ele descobriu a hora e o local de um atentado contra a vida de um diplomata estrangeiro.
Mas, os responsáveis pela sua morte (cujo rosto mais destacado vem a ser o de Peter Lorre) exigem o silêncio do casal e para garanti-lo sequestram sua filha.
Se o primeiro “O Homem Que Sabia Demais” é reconhecidamente enxergado como a consolidação de um estilo que o mestre vinha estabelecendo em obras anteriores –o quê lhe dá um caráter de filme improvisado, talvez, até um viés de filme experimental em sua época –o segundo é um trabalho de grande orçamento orquestrado com o profissionalismo e a experiência de um autor que havia encontrado sua própria voz.

Ele inicia-se com a frase “Uma batida de pratos que abalou a vida de uma família americana”, antecipando a manutenção de uma das cenas-clímax do original que convertendo, de certa maneira, todo o filme numa espécie de flashback.
Hitchcock pega a premissa de seu semi-clássico de 1934, e o transforma numa vistosa, elegante e fascinante produção hollywoodiana. E para tanto, é até consequente que o rosto protagonista desse filme seja James Stewart –o astro perfeito para colocar no papel do personagem ao qual todo diretor deseja trazer a cumplicidade do expectador.
James é o Dr. Benjamin McKenna que, junto da esposa, a ex-cantora Jo Conway (Doris Day) se vê em férias no Marrocos. Como é habitual para Hitchcock e possível a uma produção milionária, a ostensiva filmagem em locação permite aqui um luxo que a econômica primeira versão jamais conseguiria, e o exotismo do lugar é sempre convidativo para enrascadas inesperadas.
O roteiro deste segundo filme resulta mais elaborado, fruto de uma época em que esse quesito já era tratado com muito mais minúcia: Ao recriar a mesma estrutura narrativa de seu filme antigo (o casal comum envolvido de gaiato numa conspiração diplomática; o rapto da criança; a investigação culminando na cena da capela em que os personagens conversam fingindo que cantam; o momento tenso da batida de pratos no concerto musical), Hitchcock o refaz certamente com todos os melindres que teria empregado outrora, se tivesse tido a oportunidade.

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