Obra plenamente cinematográfica, “Os Pássaros
Feridos” foi realizado em formato de minissérie e não de longa-metragem por uma
razão bastante pontual: As duas ou três horas usuais de duração de um filme
para cinema jamais dariam conta dos percalços registrados no best-seller de Colleen McCullough. Tal
empreitada exigia uma duração muito maior, capaz de abranger a percepção
desigual de tempo e os numerosos eventos imprescindíveis presentes na história.
Não que não tenham tentado faze-lo: Por muito
tempo, um projeto cinematográfico, protagonizado por Christopher Reeve e Jane
Seymour (o mesmo par romântico do celebrado “Em Algum Lugar do Passado”) foi
acalentado e planejado, sempre esbarrando na questão fundamental da trama
espetacularmete ampla e detalhada que o livro tinha, incapaz de ser encapsulada
com satisfação numa metragem convencional.
Conscientes disso, os produtores optaram por
realizar uma minissérie, ou se preferir, um grande filme de oito horas de
duração.
Dirigido com brilho e sensibilidade pelo
canadense Daryl Duke, “Os Pássaros Feridos” começa, portanto, contando a história
do padre inglês Ralph De Bricassart (Richard Chamberlain, memorável no papel)
que, por seu temperamento pouco comum para um sacerdote religioso, é despachado
para a paróquia de um vilarejo na Austrália, bem distante do pólo de interesses
religiosos do Vaticano, onde se concentram suas ambições.
Lá, Ralph se torna amigo da mulher mais rica da
região, a Sra. Mary Carson (a veterana Barbara Stanwyck, numa participação que
logo se revela formidável), proprietária de uma fazenda de ovelhas.
Ralph também se afeiçoa à família Cleary cujo patriarca
se torna capataz e os filhos, eficientes empregados da fazenda. Há também uma
menina, a jovem Meggie que fica sob os cuidados do padre Ralph, responsabilizando-se
por sua educação.
No roteiro brilhantemente atento às dinâmicas
que se constroem nota-se um interesse pelas tensões que aparecem –e que, na sua
maioria, têm a haver com o fato do padre Ralph ser um homem boa-pinta e bem
apessoado que desperta a atenção das mulheres, inclusive da Sra. Carson. Ela
também compreende as disfarçadas obsessões que Ralph traz dentro de si e que o
fazem, em parte, inadequado à abnegação do sacerdócio. E no ressentimento do
desejo por Ralph que, ela sabe, ele jamais corresponderá, a Sra. Carson, em
seus últimos dias de vida, dá o golpe de misericórdia que representará o estopim
de toda a trama: Sem filhos ou familiares próximos, presumia-se que ela
deixaria sua imensa fortuna aos únicos merecedores de fato –à Meggie e sua
família. Entretanto, em seu testamento Mary acrescenta uma cláusula
desconcertante; a decisão acerca de sua fortuna ficará a cargo do padre Ralph.
É ele quem decidirá se a cláusula será anulada e o testamento, como
especificado, deixará toda a fortuna dela para os Cleary ou, do contrário, o
próprio Ralph será o único a responder legalmente por toda a riqueza e propriedades
da milionária.
Sabendo que ter uma fortuna como aquela em seu
nome atrairá a atenção do Vaticano, Ralph mantém a cláusula de Mary, o que
relega a família de Meggie à contínua vida de trabalho e subserviência, não
obstante a generosidade que Ralph (agora seu novo patrão) demonstra com eles.
Os anos passam –e outros eventos, como a morte
de um irmão de Meggie e a partida de outro, se sucedem –e Meggie se torna uma
mulher belíssima (interpretada agora pela sensacional Rachel Ward) sem a menor
intenção de esconder seus sentimentos pelo padre Ralph que, como estava em seus
planos, é convidado a trabalhar no Vaticano junto do conceituado arcebispo
Vittorio (o espetacular Christopher Plummer).
As esparsas visitas de Ralph à fazenda,
entretanto, revelam o forte desejo reprimido que ele também tem por Meggie –“Os
Pássaros Feridos” é, pois, sobre isso, o embate íntimo experimentado por Ralph
e Meggie entre a atração do amor e a devoção à ideologia, forças tão opostas
quanto igualmente poderosas.
O elemento particularmente notável de sua trama
romântica é justamente a percepção da passagem inexorável do tempo, bem como a
somatória implacável de circunstâncias adversas, revelando-se incapazes de
tolher esse sentimento: Os anos se passam, Ralph escala consideravelmente a
honorável hierarquia do Vaticano, e Meggie até mesmo tenta em vão procurar a
felicidade nos braços de um marido, Luke (vivido por Bryan Brown que casou-se
com Rachel na vida real), mas absolutamente nada faz com que o casal apaixonado
esqueça um ao outro.
No clímax da história, Meggie retira-se numa
pousada à beira-mar em busca de um pouco de paz da atribulação que
transformou-se sua vida –após o casamento com Luke e dele ter uma filha, Meggie
experimenta a negligência matrimonial na forma de abandono –e as circunstâncias
enfim trabalham juntas para ela e Ralph lá se encontrarem. Ali ela engravida
dele; e a real paternidade de seu filho, Dane (vivido na fase adulta por Philip
Anglim), é um segredo que Meggie irá guardar até o último momento de sua
dolorosa saga.
Embora cause certa irritação as indecisões do
padre Ralph –decisões essas que, ainda assim, são essenciais aos rumos da trama
–“Os Pássaros Feridos” é tão bem interpretado por seu elenco, tão
brilhantemente concebido por sua equipe técnica (a belíssima trilha sonora, a
cargo do talentoso Henry Mancini, de “A Pantera Cor-de-Rosa”, ganhou um Globo
de Ouro), e tão cuidadosamente bem narrado e conduzido por seu diretor Daryl
Duke que os eventuais lapsos que poderiam lhe prejudicar só lhe enfatizam os
acertos.
É uma jornada poderosa,
reflexiva, romântica e não raro melodramática que, a despeito do protagonismo
de Ralph De Bricassart, não tarda a centralizar-se em Meggie, a personagem
principal de fato e de direito, e sua trajetória de dor, abnegação, e oposição
a Deus que ela enxerga, do início ao fim, como executor onipresente de todos os
seus infortúnios, para então compreender, já no desfecho depois de muita água
passada debaixo da ponte, o quão inexoráveis são os percalços atribulados da
vida e o quão fundamental é o valor do perdão.
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