segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Refém da Paixão

Uma história simples engrandecida pelo talento dos envolvidos. Esta certamente é uma forma honesta de se resumir em linhas gerais o filme de Jason Reitman.
“Refém da Paixão” é sobre uma situação modificada pelas impressões: Narrado em off pelo ator Tobey Maguire, acompanhamos a rotina um tanto melancólica do menino Henry (Gattlin Griffith) em plenos anos 1980. Separada de seu pai (com quem Henry se encontra nos fins de semana), sua mãe, Adele (Kate Winslet, maravilhosa) se encontra num manancial de amargura. Henry até tenta, em sua ingenuidade e boa vontade, preencher o que supõe ser um vazio na vida da mãe, mas a lacuna incomodamente vaga de uma figura masculina requer que anseios mais específicos sejam atendidos.
É dessa forma que, numa ida casual à um mercado, Henry e Adele são interpelados pelo fugitivo Frank Chambers (Josh Brolin sempre excelente). Ferido, Chambers coage mãe e filho para que o levem de carro para sua casa.
Tem-se a impressão que lá ele irá mantê-los como reféns... mas, não! Desconcertando as expectativas pessimistas de Adele, Frank se revela atencioso, educado e até prestativo: Ao longo dos dias em que se esconde naquela residência livre de suspeitas, ele conserta avarias da casa, eventualmente surgidas pela ausência de um marido; demonstra desenvoltura na cozinha (chegando a preparar uma emblemática e apetitosa torta de pêssego!); e mostra-se uma pontual e eficaz figura paterna para Henry.
Tantos predicados começam a abalar o coração carente de Adele e assim, a circunstância que era para ser um seqüestro se torna o improvável esboço de uma família: O injustiçado foragido de bom coração acaba sendo a peça que faltava para que Adele e Henry voltassem a experimentar uma sensação de viver em família outra vez.
Em meio à essa disfuncional convivência, o diretor Reitman lança mão de ocasionais lampejos de suspense a quebrar a tranqüilidade –porque, a despeito da tensão, ele parece achar isso muito divertido, e porque em sua destreza narrativa ele não quer que o expectador perca a perspectiva da situação como ela é.
Em meio à essa distorção da ‘Síndrome de Estocolmo’, o diretor insere, aqui e ali, flashbacks em princípio pouco ou nada elucidativos (imprecisos até mesmo na incerteza de serem flashbacks!), mas que, ao se somarem gradativamente vão esclarecendo melhor as razões que conduziram Frank à condenação por assassinato e Adele ao profundo desamparo.
Assim, o filme, em algum momento, parece mudar de foco e de rumo, estabilizando sua narrativa com novos propósitos; deixada em evidência a boa índole de Frank, a fonte de suspense agora vem a ser os planos dele, de Adele e de Henry, em constante ameaça por elementos vindos de fora, como o vizinho (J.K. Simmons) que despreocupadamente bate à porta sem saber a comoção de dúvida e perplexidade que despertou dentro da casa, ou o jovem policial (James Van Der Beek) que, ao impor sua disponibilidade à mãe e ao filho aparentemente sozinhos em casa, deixa todos com os nervos à flor da pele.
E deveras, se Jason Reitman, em outras obras, havia mostrado brilho inconteste na concepção de ironia (“Obrigado Por Fumar”), no manejo do humor (“Juno”) ou na arquitetura do drama (“Amor Sem Escalas”), aqui, com a ajuda de intérpretes primorosos, ele demonstra competência em frentes diversas –seja na construção improvável do romance, seja na prodigiosa elaboração de uma atmosfera de suspense –tudo isso trabalhando as inúmeras nuances de uma situação que poderia resultar até mesmo teatral nas mãos de um diretor menos perspicaz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário