Se “Larmar Och Gör Sig Till” tivesse sido feito durante o auge cinematográfico de Ingmar Bergman –a década de 1970 e a primeira metade da década de 1980 –teria sido um filme grande, certamente um divisor de águas na história do cinema.
Entretanto, este projeto surgiu na década de
1990, um de seus últimos trabalhos, idealizado em grande medida para a exibição
na TV sueca –o que se percebe na filmagem digital que dá estranha fluidez aos
movimentos dos atores e um excesso nem sempre apropriado para Bergman de
detalhismo na resolução da imagem –e lançado mais tarde no Festival de Cannes
com a reconhecida pompa do mestre Bergman.
A trama começa em 1925, em evocativa atmosfera
teatral ao condensar sua primeira parte toda num só cenário –um quarto de
hospital psiquiátrico em Uppsala –com entradas e saídas de cenas bastante
definidas e marcadas. Lá, Carl Akerblom (Börje Ahlstedt) amarga seus males
físicos e psicológicos enquanto recebe visitas do médico, da esposa Pauline
Thibault (Marie Richardson, de “De Olhos Bem Fechados”), com quem tem um
relacionamento tumultuado e do Dr. Vogler (Erland Josephson), amigo a um só
tempo médico e louco que lhe instiga seus devaneios.
Apesar de ser um engenheiro, Akerblom se
define, acima de tudo, como artista: Na iminência de sua alta no hospital, ele
tem um plano audacioso e vanguardista de realizar um projeto onde funde o
cinema mudo de então com a música (é fã fervoroso de Franz Schubert) e a
loquacidade dialogada do teatro; as bases, portanto, do que viria a ser o
cinema falado.
É Bergman, ao seu jeito, lançando mão de suas
irrestritas paixões fundidas numa só narrativa: O cinema, o teatro, a arte,
enfim, e as lindas mulheres –sim, pois são as mulheres, em especial a
personagem de Pauline, as catalisadoras das verdadeiras mudanças que acometem
os homens. E inclusive é uma mulher –ao contrário do que inicialmente parece –a
personagem que assombra Akerblom neste ou naquele momento da obra, na forma de
um palhaço que é também um fantasma (vivido por Agneta Ekmanner), a lhe
aparecer em momentos de terrível incerteza.
A apresentação, da qual vemos o planejamento na
primeira parte, ganha corpo no restante do filme, quando Bergman abandona a
estrutura teatral para agregar mais elementos de cinema –embora ainda se mantenha
num único cenário –ao levar seus personagens para uma apresentação na cidade de
Granäs, localidade-natal de Akerblom.
Nela, tudo dá errado: O público se mostra
limitado e desanimador. A exibição da película leva o projetor a incendiar-se
em dado momento, e a eletricidade a ser cortada, o que obriga a equipe de
Akerblom a finalizar a apresentação à base do improviso de uma peça de teatro
convencional à luz de velas. Contudo, como parece ser a intenção de Bergman
mostrar, esses contratempos estabelecem uma espécie de vínculo solícito entre a
pequena plateia e a mais pequena ainda equipe artística (que além de Akerblom,
Pauline e Dr. Vogler, inclui também o ‘faz-tudo’ Peter Stormare, ator de
“Fargo” e “Minority Report-A Nova Lei”).
No final das contas, o projeto artístico é
transfigurado pelas inclinações pessoais de seus participantes que aproveitam,
nessa dinâmica de reflexão, para rever as neuroses que os assombram e os
dilemas existenciais que intoxicam seus relacionamentos, e em especial, da
parte de Akerblom, para a contemplação da própria finitude iminente, pois a
figura do palhaço, vem a representar também a Morte (tema caríssimo ao diretor,
vide “O Sétimo Selo”) num prisma que a coloca em contraponto à arte –e assim,
colocando o protagonista Akerblom em contraponto à seu tema e inspiração, o
compositor Schubert, flagrado também em seus momentos derradeiros e agonizantes
no ‘filme-dentro-do-filme’.
Nenhum comentário:
Postar um comentário