quarta-feira, 10 de março de 2021

Festim Diabólico


 Foi no ano de 1948 que o público conheceu “Festim Diabólico”, uma das mais notáveis experimentações técnicas e estéticas do cinema, e influência direta para muita coisa boa que viria depois: O exercício de estilo primoroso de Hitchcock, que se destacou pelo fato de simular a impressão de um único plano de câmera interminável acompanhando todo o filme. Esse recurso foi muito utilizado mais tarde por novos cineastas que se dispunham de técnicas mais avançadas, como Sam Mendes (“1917”), Alejandro Gonzales Iñarritu (“Birdman”) e Alexandr Sokurov (“Arca Russa”). Ou até mesmo estetas que exploravam a audácia do plano-sequência numa única sequência memorável de algum filme: Brian De Palma (“Olhos de Serpente”), Juan José Campanella (“O Segredo de Seus Olhos”), Chon Wook Park (“Old Boy”), Alfonso Cuarón (“Gravidade”) e tantos outros.

Mas quando Hitchcock aplicou-o neste filme era uma tarefa tão árdua quanto inovadora.

Para tanto, ele usa de recursos simples (ingênuos, até) para disfarçar a troca de rolos (a câmera se esconde atrás das costas do ator e, durante  os breves instantes em que a imagem se escurece a emenda é realizada) e restringe sua ambientação ao formato controlado de uma peça teatral: Dois homossexuais (Farley Granger e John Dall) assassinam um homem num apartamento para saciar sua curiosidade pseudo-intelectual de descobrir a sensação de um homicídio; impulsos de ordem psicológica que agradavam ao diretor.

Dando continuidade a essa estranha experiência a dupla o coloca num baú e o decora com toalha e pratos para servir ali um café para convidados que logo chegarão, entre eles o professor (James Stewart) e a noiva do assassinado (Joan Chandler).

O texto versa sobre as ambiguidades da compulsão de matar, mas visivelmente ele ocupa uma importância secundária para o realizador; “Festim Diabólico” concentra sua atenção mesmo na imersão que a técnica revolucionária proporciona, e no clima de suspense assim construído por esses propósitos inéditos. Diante do fato bastante razoável de que sua concepção privilegia o formato em detrimento do conteúdo, é lógico presumir que “Festim Diabólico” não passou no teste do tempo de maneira tão satisfatória quanto outras obras do mestre do suspense. A ingenuidade embutida em seu argumento soa até mesmo pueril nos dias de hoje, e sua duração, e mesmo sua própria premissa, soam injustificadas.

Mas, ele permanece, sobretudo, como um registro histórico notável de um passo rumo à audazes avanços tecnológicos que a arte do cinema viria a descortinar.

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