Como passou a ser sintomático em sua filmografia, Oliver Stone dedica um verdadeiro tour-de-force de três horas de duração para esmiuçar em detalhes até então inéditos mais uma faceta da história norte-americana nos anos 1960 e 70. E ele o faz num filme onde suas ideologias surgem conjugadas com sua poderosa habilidade para costurar impressões de uma realidade factual às conjecturas intrépidas da ficção (ou da mera especulação).
Centralizado na arrojada caracterização de
Anthony Hopkins, o diretor Stone conta à sua maneira a história de Richard
Nixon, adotando o que teria sido seu ponto de vista ao longo de muitos
acontecimentos retumbantes da política americana na segunda metade do Século
XX.
Como toca a um diretor audaz, Stone intercala
sequências oriundas de diferentes trechos cronológicos –começa nos 18 meses
pós-escândalo de Watergate, regressa à infância de Nixon nos anos 1920, e
depois salta para a primeira eleição disputada em 1960 –e alterna, com seu
conhecido repertório de experimentos visuais –filme colorido, preto & branco,
e simulações de arquivos –um filme que se pretende instigante o tempo todo.
Com essa sua exuberância técnica, Stone parece
tentar entender e vislumbrar o lado humano de Nixon, o mais controverso dos
presidentes recentes dos EUA (ou aquele que teve a infelicidade de governar
durante o período mais controverso de sua história), mas na verdade o que ele
quer é tecer uma elaborada teia de intrincadas teorias conspiratórias, tão
mirabolantes e carregadas de sordidez ficcional que se convertem num afresco
cinematográfico sobre decadência e traições de um ponto em diante.
Filho do meio de uma família pobre do
meio-oeste norte-americano, Richard Nixon cresceu influenciado pela tenacidade
severa do pai e pelo tratamento humanamente suscetível da mãe (Mary
Steenburgen); as mortes do irmão mais novo e do mais velho (de tuberculose)
também tiveram poderoso efeito sobre seu caráter, transformando Nixon num homem
disposto a encontrar todos os meios possíveis para sobrepujar suas desvantagens
existenciais –que no caso dele, já durante a competitiva vida adulta em meio à
política, se manifestaram como a alardeada falta de carisma, de afabilidade e
beleza física, em comparação com seu contumaz adversário, John Kennedy.
A derrota para ele, nas eleições de 1960, é um
golpe que chega a afetar a harmonia de seu casamento (com Pat, vivida por Joan
Allen). Entretanto, o próprio Nixon ganha chances improváveis de governar os
EUA –o que de fato acontece –depois que John Kennedy é assassinato em Dallas, e
seu irmão, Bobby (adversário de Nixon nas eleições subsequentes), é também ele alvejado
e morto no Hotel Ambassador, tempos depois –na narrativa de descarado teor
alarmista de Oliver Stone, essas escandalosas teorias ganham ares de verdade
documental quando é sugerido o envolvimento de Nixon em cada um desses
atentados.
Durante a gestão de Nixon, Stone relata os
percalços tumultuados de seu governo com ênfase nos trágicos desdobramentos da
Guerra do Vietnam (um tema caro ao cinema do diretor), nas atitudes
egocêntricas e contraditórias de seu protagonista (cuja paranóia o leva a
duvidar de aliados genuínos como o Secretário de Estado Heny Kissinger, vivido
por Paul Sorvino), e nos lances ambíguos que convertem o próprio Nixon naquilo
que, em tese, ele desejava enfrentar: Um líder relapso, errático, incapaz de se
opor à inevitabilidade atroz do sistema, e disposto a lançar mão de recursos
cada vez mais escusos sob pretextos vazios –na verdade, essa premissa, a do
personagem principal cuja pureza da ideologia se vê contaminada pela sordidez
inapelável do mundo é, também, um tema muito caro ao cinema de Oliver Stone.
Do alto de sua nada modesta duração, “Nixon” é
pois um épico de difícil assimilação, dedicado aos meandros mais mesquinhos e
insidiosos a que pode se submeter o caráter humano, e imerso na caracterização
mais vil dos bastidores (ainda que certamente ficcionais) da política
norte-americana dos anos 1960 e 70.
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