Em algum momento, na onda saudosista que tomou de assalto o cinema norte-americano em determinado ponto da última década –e que levou estúdios a revisitar, sem escrúpulos, as criações bem-sucedidas dos anos 1980 –os executivos voltaram sua atenção para o clássico “Karate Kid”. De um apelo irresistível para seu público, bem como de uma premissa tão certeira e objetiva que, a sua maneira, influenciou um sem-fim de obras a partir daquele período, “Karate Kid”, os produtores logo perceberam, oferecia oportunidades maravilhosas para que seu enredo fosse repaginado aos valores atuais –começava-se a falar sobre o bullying e muitas campanhas politicamente corretas contra essa cultura movimentavam os fóruns de discussão –além disso, na sua conjunção já clássica de jornada de amadurecimento com odisséia de artes marciais, ele também proporcionava o emprego de coreografia de lutas arrojadas, tão em moda no cinema comercial depois da revolução trazida por “Matrix” e “O Tigre e O Dragão”. Em suma, um clássico com inúmeras possibilidades para ser refeito nos dias atuais.
E os produtores em questão, que notaram tudo
isso, foram os atores Will Smith e Jada Pinkett-Smith, casados na vida real e,
pais corujas nas horas vagas, que não pestanejaram em escalar o próprio filho,
Jaden Smith, para o papel protagonista de Dre Parker, o pretenso Daniel Larusso
de toda uma nova geração.
A trama segue muito do “Karate Kid” original,
modificando elementos cruciais –o que curiosamente lhe altera muito da
essência: Dre e sua mãe Sherry (a maravilhosa Taraji P. Henson) precisam se
mudar para a China em função da profissão dela.
Estranho numa terra estranha, Dre encontra
dificuldade de adaptar-se à nova escola, não apenas pelo novo idioma, pela nova
cultura e por sua visível distinção de todas as pessoas que o cercam –uma
circunstância propositadamente muito mais contundente do que a de Daniel
Larusso no filme original –mas, também porque Dre não tarda a ser perseguidos
pelos garotos locais, o incontornável grupo dos valentões que lhe descem
porrada ao melhor estilo kung fu.
Trata-se aí de um dos elementos que mais
incomodaram os fãs puristas do original: O primeiro “Karate Kid” e, bem, suas
continuações também, abordava a cultura japonesa, de onde, afinal, vem o
karatê, enquanto que este novo filme, troca o Japão pela China –estudou-se
inclusive a possibilidade de mudar o título para “Kung Fu Kid” –num reflexo
involuntário do costume bem norte-americano de nivelar as culturas estrangeiras
num único e redundante nicho de concepção. A explicação mercadológica é que as
artes marciais oriundas da China sempre estiveram mais em voga desde que obras
produzidas com coreografias de luta à cargo de mestres como Lee Wu Ping caíram
nas graças do público. Isso também vem a justificar a presença mais ilustre do
longa, o astro chinês jackie Chan (um representante vivo desse tresloucado e
inquieto estilo cinematográfico de luta) no papel do Sr. Han, substituto do Sr.
Miyagi, imortalizado anteriormente por Pat Morita.
É com o Sr. Han que Dre se depara numa das
usuais surras que costumava tomar depois de se tornar alvo dos garotos
intolerantes do lugar. Ele o protege, ostentando um estilo impressionante de
luta e Dre logo interessa-se em aprender a defender-se da mesma maneira. O que
se segue é, no mínimo, previsível, diante do fato de que o “Karate Kid”
original se tornou um clássico da “sessão da tarde” e seu argumento, um objeto
de homenagem e referência: No decurso de seu treinamento, Dre aprende que as
artes marciais não são sobre força e o exercício do poder, mas sobre
contemplação, serenidade e, acima de tudo, respeito.
O filme dirigido por Harald Zwart, numa escolha
até contraditória, no entanto, privilegia os momentos de alta voltagem
cinética, onde as lutas surgem edificantes, eletrizantes e empolgantes. Em
resumo, o que se vê, na prática, em tela, vai na contramão do que se diz, em
teoria, no roteiro. E tal inclinação para o mero embate físico em detrimento da
ênfase na lição de moral –lição que nem o filme original, nem suas sequências,
jamais esqueciam –é tamanha que essas passagens, esticadas e potencializadas
além da conta, levam o filme a ultrapassar as duas horas de duração e, por
conta disso, testar a paciência do público.
Realizado inadvertidamente sobre uma miríade de
inesperados subtextos –a xenofobia norte-americana; as influências culturais
assimiladas com desleixo pela cultura pop; o conteúdo em conflito com a
estética que resulta em obras potencialmente questionáveis –este novo “Karate
Kid” traz, como o mais pungente e incômodo deles o fato de ser um disfuncional
“projeto em família”: Os produtores, Will e Jada, submetem seu pimpolho, Jaden,
a uma situação de protagonismo que transparece as altas expectativas e
exigências cobradas do jovem ator, resultando numa atuação fragilizada onde seu
desamparo se sobrepõe ao seu carisma.
Tudo isso, no final, depõe contra a realização:
“Karate Kid”, apesar do esmero em seu drama, irrita ao invés de cativar, apesar
da ação construída com certezas presunçosas, é enfadonho ao invés de ser
eletrizante, e sua suposta mensagem positiva percebe-se em meio à todas essas
confusões de conceito.
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