Mais do que as histórias sobre a Segunda Guerra Mundial que retratam o Holocausto em si, há também uma vertente que passou a explorar as atrocidades do nazismo de um ponto de vista interno; no geral, alemães que testemunharam a gênese de todo o mal e se viram oprimidos pela ascensão de um ódio inconcebível. Dentro das variações curiosas desse, digamos, subgênero podemos destacar o filme autenticamente alemão “O Barco-Inferno No Mar”, o fenomenal “Cabaret”, o norte-americano “Os Últimos Rebeldes”, as duas versões de “Operação Valkiria”, o recente (e ótimo) “Jojo Rabbit” e muitos outros –embora tudo talvez tenha começado com “O Homem Do Castelo Alto”, de autoria do escritor Phillip K. Dick.
A obra dirigida pelo brasileiro Vicente Amorim
busca se inserir entre esses exemplares.
Nele, Viggo Mortensen interpreta John Halder,
alemão que, em meados da década de 1930, é um mero professor universitário com
tímidas aspirações literárias, e uma vida doméstica cheia de atropelos, ainda
que normal: A esposa, tuberculosa, vive doente, deixando o cuidado da casa e
dos filhos para ele. A mãe (Gemma Jones, de “Razão & Sensibilidade”) está à
beira da senilidade, e o sogro lhe apurrinha para ingressar num certo partido
socialista,
As mudanças na vida de Halder chegam
lentamente. Ele conhece e se apaixona por uma de suas alunas, Anne (a
maravilhosa Jodie Whittaker, da série “Doctor Who” e do filme “Vênus”), por
quem, mais tarde, abandona a família e vem a desposar a medida que sua mudança
de status social exige uma esposa mais adequada. É consequente, portanto, que a
reviravolta mais radical experimentada pelo protagonista diga respeito à sua
profissão: Autor de um livro fictício sobre os impulsos humanos no ato da
eutanásia cujo argumento cai nas graças do próprio Hitler em pessoa, Halder é
chamado à Alta Cúpula Nazista como uma espécie de adereço intelectual ao
séquito do Fuhrer, o que não deixa de lhe proporcionar toda influência e
prosperidade material de um oficial nazista.
Entretanto, como na obra-prima “Mephisto”, de
István Szabó, o personagem principal guarda uma decência interna que o faz se
enojar com os rumos nacionalistas de seu país. Diferente daquela produção,
contudo, o filme de Amorim nem sempre trasmite tal circunstância com a riqueza
de nuances que ela poderia ter.
Há, por exemplo, a questão da amizade entre
Halder e o psicanalista judeu Gluckstein (Jason Isaacs), a relação mais
explorada em todo o roteiro, na qual o protagonista testemunha o cerco se
fechar ao redor do amigo, lutanto por vezes com seus próprios fantasmas, para
poder mantê-lo em segurança. Não faltaram exemplos, no passado, em que tais
enredos foram explorados com primor para deles extrair valiosas e pertinentes
lições morais sobre os perigos da omissão, o valor da vida e a importância
inegociável da liberdade, mas, a direção de Amorim parece sentir-se demasiado
oprimida em meio à uma produção de escopo tão nitidamente maior do que aquelas
com as quais trabalhou em terras brasileiras (que inclue o drama “O Caminho das
Nuvens”).
Seu registro da vida de Halder em família, por
exemplo –trecho que ocupa o primeiro terço do filme –é prosaico, banal e sem
profundidade, perdendo a chance de fundamentar o interesse do público pelo
personagem e de nele criar a necessária empatia. O próprio Viggo Mortensen,
notoriamente um grande ator, oferece uma atuação inquieta, hesitante e
perplexa, fruto da segurança que um diretor mais firme passaria ao intérprete. Todos
esses pequenos lapsos se somam conforme o filme avança, transformando-o numa
realização pouco marcante; sem a devida conexão com o protagonista assim
estabelecida, o expectador pouco se importa com os rumos de sua história, com o
esfacelamento de sua família, a descoberta de um matrimônio cada vez mais vazio
ou a dissolução do único vínculo genuíno que possuía, a amizade com Gluckstein.
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