O seminal “Yojimbo”, do mestre Akira Kurosawa, serviu de influência direta e indireta aos mais inúmeros gêneros e realizadores de cinema. Garantidamente, sabe-se que foi dele a inspiração para Leone tecer “Por Um Punhado de Dólares”, filme inaugural de sua cultuada trilogia, e também para que Corbucci constituísse o argumento de seu estupendo “Django” –em comum, todos têm hoje legiões de apreciadores e um culto cada vez mais merecido em torno de sua realização.
Basta um olhar superficial e passageiro pela
premissa de “O Último Matador”, que Walter Hill lançou em 1996, para notarmos
tratar-se de mais uma inspiração na obra de Kurosawa. Embora Walter Hill –um
autor de vários filmes marcantes da década de 1980 que adentrou a década de
1990 encontrando dificuldade para manter a mesma relevância temática –tenha
afirmado que seu filme se espelha muito mais na produção de Kurosawa (um filme
de samurais, é bom lembrar) do que nos trabalhos de Leone e Corbucci, é sim com
um filme de faroestes que este trabalho mais se parece –ainda que um verniz de
“filme de gangster” seja imposto todo o tempo para diferenciá-lo.
Na poeirenta cidadezinha norte-americana de Jericho
(ambientação que remete prontamente aos faroestes, alguns até dirigidos pelo
mesmo Walter Hill), em plena Lei Seca –década de 1920, mas poderia
perfeitamente ser Século XIX –surge o pistoleiro John Smith (Bruce Willis,
marrento e em sua melhor forma) fugindo do que parece ter sido um tumultuado embate
a tiros envolvendo gangsters para quem trabalhava como assassino de aluguel.
Anti-herói até a medula –e, logo, pouco interessado na situação dos oprimidos
da região –Smith nota que Jericho é polarizada entre duas facções de criminosos
que disputam o controle do tráfego de bebidas: A máfia irlandesa e a italiana.
Um sobrevivente da recessão, Smith planeja
acima de tudo lucrar enquanto por lá permanecer e a melhor maneira para isso é
não se tornar leal a nenhum dos lados, mas, trabalhar para ambos enquanto
fomenta, aqui e ali, certa discórdia que os levará à uma guerra. Por um tempo,
a estratégia até que funciona e, sem ser desmascarado por nenhum dos grupos
oponentes, Smith paira para lá e para cá, fazendo vítimas com seu gatilho
rápido e implacável, ganhando confiança cada vez maior dos equivocados chefes
das respectivas quadrilhas e, claro, enchendo os próprios bolsos de dinheiro.
No entanto, como parece ser contumaz nos mais
afiados contos de dissolução moral, o destino dos incautos é selado na sua
súbita inclinação à ética: A partir do momento em que Smith tem vestígios de
seu senso de honra remanescente despertado, sua jogada dúbia é descoberta e ele
acaba na mira do assassino Hickey (personagem para o qual a persona sibilante e
ameaçadora de Christopher Walken cai como uma luva).
Na ampla experiência com o gênero que trabalha
–ou com a mescla de gêneros, uma vez que sua obra engloba elementos como o pó
amarelado e monocromático dos faroestes, bem como as cidadezinhas desoladas
caindo aos pedaços; os tiroteios a céu aberto filmados com perícia insuspeita
dos filmes de gangster e as intrigas conspiratórias acompanhadas de uma noção
aprofundada e bem definida de conduta entre bandidos herdada de Michael Mann –o
diretor Hill exibe, sobretudo, seu conhecimento técnico na construção de ritmos
e atmosferas muito particulares, quase compartilhando com o público uma
exultação juvenil pelo fato de evocar Akira Kurosawa (certamente seu ídolo) de
maneira quase tão explícita: Salvo as distinções incontornáveis, este filme,
mais que “Por Um Punhado...” e “Django” segue de maneira fidedigna, quase
espelhada, os tópicos narrativos de “Yojimbo”, de tal forma que o terreno da
homenagem quase é abandonado em favor da mais inquestionável cópia.
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