quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

As Aventuras de Buckaroo Banzai


 “Através da 8ª Dimensão” é o subtítulo que sucede o título desta obra oitentista, vítima de extrema incompreensão à época de seu lançamento em 1984, mas redescoberta ao longo dos anos como um entretenimento peculiar e curioso.

Muito se discorre sobre as alegorias embutidas no conceito amalucado de “Buckaroo Banzai”, como se o grupo Monty Python tentasse criar uma história com ecos de 007 e de adaptações de histórias em quadrinhos, e nela depositasse observações sobre a cultura pop e sobre a maleabilidade dos sentimentos, apoiada nas mais inusitadas referências possíveis.

O personagem título, Buckaroo Banzai (interpretado por Peter Weller, ator de “Robocop” e “Mistérios e Paixões”, estreando no cinema) é a um só tempo neurocirurgião, piloto de testes e dono de uma banda de rock (!?) e seu objetivo de vida é, ao lado de sua trupe de amigos, nomeados Hong Kong Cavaliers (que reúne caras como Lewis Smith, Jeff Goldblum, Clancy Brown e Pepe Serna), experimentar ao máximo de aventuras.

Uma delas tem início quando, tão logo deixa uma mesa de operação, ele quebra a barreira do som a bordo de um carro de corridas turbinado. Não apenas a barreira do som, Buckaroo rompe também, por breves momentos, o fino tecido da realidade, indo parar em um lugar que seu pai (que, por sinal, é cientista) chama de 8ª Dimensão!

O feito de Buckaroo desperta a atenção de um certo Dr. Emilio Lizardo (John Lithgow, perfeito em sua insanidade), cuja tentativa de realizar a mesma experiência décadas antes o levou a ser possuído por um alienígena vindo dessa tal 8ª Dimensão –situação que, desde então, o confinou numa espécie de sanatório. Escapando de lá, e reunindo outros comparsas, também eles, alienígenas disfarçados entre pessoas comuns (entre os quais, Christopher Loyd, Vincent Schiavelli e Dan Hedaya), o Dr. Lizardo se apressa em roubar da equipe de Buckaroo os artefatos necessários para repetir a experiência e voltar para casa.

Contudo, nada é tão simples: Os alienígenas, malvados ainda que ineptos, querem também achar um jeito de dominar o mundo, e em sua periculosidade, são vigiados do espaço sideral por outros de sua mesma raça, mais austeros, que estão prontos para fulminar a Rússia com um raio caso esses bandidos escapem até o pôr-do-sol, criando um impasse que levará a uma guerra nuclear, e a Terra à destruição. Assim, Buckaroo Banzai –que se vê envolvido na súbita descoberta de uma sósia (ou seria irmã gêmea?) de sua esposa falecida, vivida em ambos os casos por Ellen Barkin –acaba se tornando, ao lado dos Hong Kong Cavaliers, um improvável herói predestinado a salvar o planeta.

Essa explicação, no entanto, não chega a ilustrar com satisfação o que o filme dirigido por W.D. Richter (e roteirizado por Earl Mac Rauch a partir de uma ideia dele) chega a ser: Inspirado pelos filmes de matinê que Richter, e diversos outros autores da época conferiram em sua infância, “Buckaroo Banzai” é uma miscelânea bizarra, lisérgica e algumas vezes sem sentido entre aventura, ficção científica e delírio autoral. Seu enredo não se acomoda em nenhum gênero e sua cenas exalam um certo inconformismo bizarro, carregadas de informações, adornos e referências constantes plantadas nos mínimos detalhes e, ainda assim, ostentando um ritmo desigual, que parece ficar lento justamente nas cenas de ação (!), o que leva o expectador a uma curiosa sensação de desconforto em relação ao material, e pode ser fruto, talvez, da inexperiência do diretor Richter em construir uma narrativa –afinal, este foi seu primeiro trabalho.

Entretanto, se a estranheza é o charme de “As Aventuras de Buckaroo banzai”, ela é também uma característica quase involuntária diante da execução intuitiva de seu projeto.

Ao longo dos anos, muitos foram os que tentaram, sem sucesso, explicar os propósitos, intenções e objetivos por trás de “Buckaroo Banzai” –para uns, é um passatempo lisérgico sobre as ameaças metafísicas do universo transfigurado por um humor nonsense e deliberadamente inapropriado; para outros, um tratado alegórico sobre paranóia, sobre o estado de coisas alienado da década de 1980 e, ao mesmo tempo, um exercício estético e colaborativo sobre o caos e a anarquia –inclusive essa, digamos, esquizofrenia visual, que contamina muitas de suas passagens, pode ser explicada pela troca de diretores de fotografia, tendo o estiloso Jordan Cronenweth (de “Blade Runner”) sido substituído, no meio do filme, pelo mais convencional Fred Koenekamp.

A verdade é que, se o público demorou a perceber, em “Buckaroo Banzai” seus elementos desiguais, também seu realizadores ignoraram isso, supondo que ele fosse um  produto completamente comercial: Ele se encerra, inclusive com a promessa de uma segunda aventura (“”Buckaroo Banzai Contra a Liga Mundial do Crime”), esta jamais realizada, diante da indiferença quase temerosa que público e crítica demonstraram diante de obra tão estranha.

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