segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Cooley High


 Antecipando obras conhecidas que vieram depois, como “Curtindo A Vida Adoidado” ou “Superbad” –que carregavam muito mais nas tintas cômicas –“Cooley High”, de 1975, é uma versão blaxploitation de “American Graffith”. Todas as intenções cristalinas da obra de George Lucas também estão lá: Uma observação carinhosa, agridoce na junção de humor e drama, dos amores, esperanças e contratempos de um grupo de amigos, estudantes de classe média-baixa norte-americana.

No caso de “Cooley High” em especial –cujo título dá nome à escola de Ensino Médio que os personagens frequentam –acompanhamos alguns dias da vida de dois amigos, Preach (Glynn Turman, de “Gremlins”) e Cochise (Lawrence-Hilton Jacobs, de “Desejo de Matar” e “A Família da Noiva”). São dois adolescentes afro-descendentes em plena Chicago de 1964; Preach é inteligente, lê poemas e livros de História espontaneamente, absorvendo conhecimento quase que por instinto e, por consequência disso, é tratado como esquisito por muitos de seus pares; Cochise é carismático,sagaz e esperto, não tarda a obter uma bolsa de estudos para a universidade principiando um caminho incomum de êxito entre os indivíduos de sua comunidade. Ambos se destacam por possuir um potencial extraordinário entre os jovens calejados e ineptos de sua turma –no entanto, a narrativa prefere enfatizar o que eles tem de universal: Como qualquer outro jovem, branco ou negro, rico ou pobre, seja da época que for, Preach e Cochise querem se certificar de que aproveitaram bem a vida. Nas saídas junto da turma, quando não raro inventam subterfúgios para gazear aulas, eles se divertem, rirem, contam histórias, visitam lugares. À noite, vão em festas promovidas por alguns conhecidos mais despachados da vizinhança, flertam com garotas que sempre estão a um passo de se tornarem a transa inaugural de suas vidas sexuais –embora, lá pelas tantas, a jovem Brenda (a bela Cynthia Davis) comece a se converter numa possibilidade de romance mais sério para Preach –e envolvem-se em confusões, umas banais, outras mais graves.

A condução do diretor Michael Schultz leva essa sucessão de corriqueiros acontecimentos em ordem quase episódica, deixando de sublinhar alguma importância maior em quaisquer desdobramentos. No entanto, aos poucos, vamos nos dando conta de pequenos detalhes pertinentes da vida dos dois protagonistas (como a atribulação da mãe de Preach, dando conta de três empregos para criar os filhos), ao mesmo tempo que, sem percebermos, a repercussão de pequenos atos começam então a ganhar mais significado, como a travessa carona que os dois tomam, numa noite de diversão, com dois amigos marginais, Robert e Stone (Norman Gibson e Sherman Smith), a bordo de um veículo furtado, seguida de uma atrapalhada perseguição policial. O tom de brincadeira e galhofa que predomina nessa cena não nos deixa notar as repercussões bem mais sérias que essa mesma situação ganhará mais afrente (quando a polícia encontrar os dois ameaçando seu futuro) nem as complicações que Preach e Cochise arcarão, mesmo depois de terem escapado da encrenca –quando o professor de História deles (Garrett Morris) intercede junto às autoridades, livrando sua barra, Robert e Stone, erroneamente deduzem que Preach e Cochise só escaparam do jugo policial por lhes terem dedurado, o que coloca os jovens em maus lençóis. A amizade entre os dois só sofre um verdadeiro abalo quando Preach flagra Cochise num interlúdio junto de Sandra (Christine Jones), um de seus flertes.

O diretor Michael Schultz curiosamente realizou outros trabalhos, posteriormente, pelos quais ficou famoso, e que remetem curiosamente a um contexto similar em “Cooley High”: Em 1976, um ano depois, ele fez o também descolado “Car Wash”, mais uma vez um resgate das circunstâncias muito particulares, em sua alegria e em sua tristeza, de sua comunidade, já em 1981, foi a vez de “Carbon Copy” –aqui no Brasil na Era do VHS, conhecido como “A Cara do Pai”, hoje raríssimo –um dos primeiros filmes da carreira de Denzel Washington, e uma espécie de variação da premissa de “Adivinhe Quem Vem Para Jantar”, e em 1985, seu filme mais famoso, o eletrizante e anacronicamente charmoso “O Último Dragão” onde, assim como aqui, se apropriava de um sub-gênero específico (no caso, os filmes de artes marciais) para dar-lhe uma roupagem blaxploitation muito pessoal. “Cooley High” é, portanto, um definidor, muito evidente e precioso, de suas inclinações mais caras como cineasta.

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