terça-feira, 7 de maio de 2024

Rashomon


 Uma história. Vários pontos de vista. Assim se constrói uma das grandes obras do mestre Akira Kurosawa. Em “Rashomon”, Kurosawa se indaga se há, realmente, uma verdade absoluta, ou se, na percepção subjetiva dos acontecimentos tudo não é, afinal de contas, relativo. Ele parte de um conto do escritor Ryunosuke Akutagawa para referendar essa investigação e, de quebra, propor novos pressupostos cinematográficos os quais, naquela década de 1950, talvez tenham soado inovadores –ainda assim, houveram críticos apontando similaridades entre a fragmentação narrativa observada também em “Cidadão Kane”, embora Kurosawa ainda não tivesse assistido, na época, a obra de Orson Welles.

Tudo começa em meio a uma chuva torrencial –elemento que representa uma profunda potencialidade dramática para o diretor, vide a chuva no clímax de “Os Sete Samurais” e em um dos episódios de “Sonhos” –da qual três homens buscam refúgio nas ruínas de um templo em Rashomon. Dois deles são camponeses (Takashi Shimura e Kichijiro Uedo) e um deles é um sacerdote (Minoru Chiaki). Numa conversa aparentemente banal, um deles cita um julgamento que lá fora realizado, a envolver um bandido, acusado do estupro de uma mulher e do assassinato do marido dela, descortinando o evento central de todo o filme, logo esmiuçado em flashbacks. Dessa maneira, vemos o bandido Tajômaru (Toshiro Mifune) surpreendendo o casal Kanasawa (Machiko Kyo e Masayuki Mori) numa travessia na floresta e o atacando, promovendo sua brutalidade, que será vista e revista em quatro diferentes perspectivas: Inicialmente, a de uma involuntária testemunha ocular (o próprio camponês que inicia a conversa) Kikori; depois, a do bandido sob acusação (na qual Tajômaru, em sua altivez rebelde, se defronta com o marido samurai diante do súbito encanto pela esposa dele); a da mulher desonrada (que surge, em seu próprio relato como vítima tanto dos abusos do bandido quanto, posteriormente, do desprezo do esposo o qual, por justificada indignação, termina esfaqueando); e por fim, a do próprio homem assassinado, a surgir no processo investigativo do julgamento através de um médium (enfatizando assim a traição combinada do bandido em acordo com sua esposa, um arranjo que lamentavelmente não beneficia ninguém, culminando com o marido praticando harakiri). Cada flashback –que se manifesta na narrativa como um segmento individual –vem a contradizer os detalhes, as motivações e as justificativas de todos os outros.

Amparado nessa premissa tão fascinante quanto inovadora, Kurosawa escancara as vastas possibilidades não exploradas da narrativa cinematográfica num obra que, em seu primor, seu tornou um pilar referencial para infindáveis trabalhos posteriores que se valeram do emprego de sua arrojada estrutura.

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