Em meados dos anos 1970, Alejandro Jodorowsky estava com a corda toda: Seus primeiros filmes, como “Fando & Lis”, “El Topo” e “A Montanha Sagrada”, provocaram um abalo sísmico na percepção distinta entre o cinema comercial e o artístico, revelando um autor singular, dono de inquietações cheias de originalidade e significado. Absolutamente ovacionado em certos nichos –sobretudo, aqueles adeptos ao cinema alternativo –Jodorowsky tinha certo interesse voltado ao seu projeto seguinte que, graças à disposição do produtor Michel Seydoux poderia vir a ser o que ele quisesse; e Jodorowsky quis, nada mais nada menos, do que “Duna”, do escritor Frank Herbert!
Clássico literário imediato da ficção
científica, “Duna” –que, diga-se, Jodorowsky sequer havia lido na ocasião! –era
uma obra colossal e desafiadora: Não só os detalhes vastos de sua rica
mitologia representavam um forte obstáculo para a transposição à uma mídia
audio-visual, como sua monumental extensão épica tornava tudo muito difícil de
se encapsular num filme de supostas duas ou três horas de duração. No entanto,
capturado pela proposta sem igual da obra de Herbert, Jodorowsky almejava uma
experiência sensorial sem precedentes, jamais igualada até então. Ele queria
que seu filme tivesse os efeitos delirantes, instigantes e psicodélicos de uma
viagem de LSD –objetivo que, convenhamos, alguns de seus outros filmes já
perseguem...
Este documentário, realizado com atenção
admirada e interesse cinéfilo pelo diretor Frank Pavich flutua através do
depoimento de muitos envolvidos (entre eles, o diretor Nicholas Winding-Refn, fã
declarado de Jodorowsky) a fim de criar um panorama do quão ambicioso seria o
filme que Jodorowsky imaginara. Em 1974, ele arregaçou as mangas e começou a
reunir uma equipe assombrosa de técnicos e artistas para dar corpo às
maluquices de seu roteiro. O storyboard
foi inteiramente desenhado pelo artista francês Jean Giraud, mais conhecido
como Moebius; os efeitos visuais, cuja presumida complexidade ultrapassava os
assombros de “2001-Uma Odisséia No Espaço”, seriam inicialmente a cargo de
Douglas Trumbull, entretanto, a soberba incontornável dele levou
Jodorowsky declinar, optando assim pelo
mais jovem e mais artisticamente promissor Dan O’ Bannon; para o designer da
produção, Jodorowsky chamou o artista suíço H.R. Giger, fascinado por suas
criações a um só tempo tétricas, ameaçadoras e sensuais.
O mesmo empenho singular e visão autoral foi
empregada na escolha do elenco: O Duque Leto Atreides seria vivido por David
Carradine; Paul Atreides, o jovem protagonista, seria interpretado pelo próprio
filho do diretor, Brontis Jodorowsky (que também participou de “El Topo”),
enquanto que para o papel do Imperador Padixá, ele desejava o artista plástico
Salvador Dalí (que pediu uma soma absurda como cachê, uma das muitas
extravagâncias que começaram, aos poucos, a empacar o projeto), para o vilão Barão
Harkonnen, ele fechou com Orson Welles (o plano-sequência inicial de “A Marca
da Maldade”, inclusive, seria referenciado na formidável cena de abertura de
“Duna”) e finalmente o perigoso antagonista Feyd-Rauth ganharia as feições de
um ainda jovem Mick Jagger (!).
Quando essa parte da pré-produção estava enfim
pronta –e restava então adquirir financiamento para que o filme começasse a se
tornar realidade, os sonhos de Jodorowsky esbarraram na dura e impiedosa
realidade: Praticamente todos os estúdios da Hollywood de então receberão um
calhamaço gigantesco contendo as artes, os storyboards
e os rascunhos que forneciam a ideia de como “Duna” seria. E todos se mostraram
empolgados com as possibilidades, até chegarem em seu diretor –Jodorowsky era
um nome que, se inspirava admiração em uns, em outros (sobretudo, entre os
engravatados executivos manejadores do dinheiro) inspirava apreensão. Em
primeiro lugar, é preciso termos em mente que, na época, o gênero de ficção
científica era percebido em dois diferentes extremos (em um, o conceito denso,
tecnicamente árduo e comercialmente hermético de “2001” ou de “THX 1138”; em
outro o de filmes B sem relevância alguma) é necessário lembrarmos que “Star
Wars” estava a anos ainda de ser realizado; em segundo, que os estúdios não
enxergavam com bons olhos os filmes que Jodorowsky havia perpetrado, autorais,
exotéricos e feitos com plena liberdade criativa.
Hollywood disse não à Jodorowsky, condenando o
projeto de “Duna” a jamais ser feito.
Todavia, como é lembrado paulatinamente no
documentário a partir daí, Hollywood pareceu, à sua maneira, assimilar “Duna” e
tudo que ele podia ter sido e não foi: Dan O’ Bannon, Moebius e H.R. Giger se
juntaram novamente na equipe do cultuado e bem-sucedido “Alien”, anos depois, e
mesmo os filmes mais recentes dessa saga (como “Prometheus”) guardam evidentes
traços do que foi reaproveitado em “Duna”. A narrativa aponta inúmeras
influências (os filmes de “Flash Gordon”, as várias ideias empregadas em “Star Wars”, “Blade Runner” e até mesmo em “Os Caçadores da Arca Perdida”) até chegar
na produção de Dino e Rafaela De Laurentis dos anos 1980, dirigida por David
Lynch. Jodorowsky relata que foi quase arrastado ao cinema por seus filhos para
assistir “Duna” e exorcizar, enfim, esses demônios, e conta, cheio de bom
humor, que sentiu-se aliviado ao constatar que o filme era uma porcaria!
O próprio Alejandro Jodorowsky, com o tempo,
encontrou sua própria maneira de superar “Duna”: Ao lado do próprio Moebius,
ele usou de diversas ideias que teve para seu roteiro e com elas criou a
graphic-novel “O Incal” louvada até hoje como uma das melhores histórias em
quadrinhos já realizadas. O reencontro de Jodorowsky com o produtor Michel
Seydoux para a realização deste documentário, por sinal, levou ambos à colaborarem
novamente para a realização de “A Dança da Realidade”, sua primeira obra em 23
anos.
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