segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Alejandro Jodorowsky's Dune


 Em meados dos anos 1970, Alejandro Jodorowsky estava com a corda toda: Seus primeiros filmes, como “Fando & Lis”, “El Topo” e “A Montanha Sagrada”, provocaram um abalo sísmico na percepção distinta entre o cinema comercial e o artístico, revelando um autor singular, dono de inquietações cheias de originalidade e significado. Absolutamente ovacionado em certos nichos –sobretudo, aqueles adeptos ao cinema alternativo –Jodorowsky tinha certo interesse voltado ao seu projeto seguinte que, graças à disposição do produtor Michel Seydoux poderia vir a ser o que ele quisesse; e Jodorowsky quis, nada mais nada menos, do que “Duna”, do escritor Frank Herbert!

Clássico literário imediato da ficção científica, “Duna” –que, diga-se, Jodorowsky sequer havia lido na ocasião! –era uma obra colossal e desafiadora: Não só os detalhes vastos de sua rica mitologia representavam um forte obstáculo para a transposição à uma mídia audio-visual, como sua monumental extensão épica tornava tudo muito difícil de se encapsular num filme de supostas duas ou três horas de duração. No entanto, capturado pela proposta sem igual da obra de Herbert, Jodorowsky almejava uma experiência sensorial sem precedentes, jamais igualada até então. Ele queria que seu filme tivesse os efeitos delirantes, instigantes e psicodélicos de uma viagem de LSD –objetivo que, convenhamos, alguns de seus outros filmes já perseguem...

Este documentário, realizado com atenção admirada e interesse cinéfilo pelo diretor Frank Pavich flutua através do depoimento de muitos envolvidos (entre eles, o diretor Nicholas Winding-Refn, fã declarado de Jodorowsky) a fim de criar um panorama do quão ambicioso seria o filme que Jodorowsky imaginara. Em 1974, ele arregaçou as mangas e começou a reunir uma equipe assombrosa de técnicos e artistas para dar corpo às maluquices de seu roteiro. O storyboard foi inteiramente desenhado pelo artista francês Jean Giraud, mais conhecido como Moebius; os efeitos visuais, cuja presumida complexidade ultrapassava os assombros de “2001-Uma Odisséia No Espaço”, seriam inicialmente a cargo de Douglas Trumbull, entretanto, a soberba incontornável dele levou Jodorowsky  declinar, optando assim pelo mais jovem e mais artisticamente promissor Dan O’ Bannon; para o designer da produção, Jodorowsky chamou o artista suíço H.R. Giger, fascinado por suas criações a um só tempo tétricas, ameaçadoras e sensuais.

O mesmo empenho singular e visão autoral foi empregada na escolha do elenco: O Duque Leto Atreides seria vivido por David Carradine; Paul Atreides, o jovem protagonista, seria interpretado pelo próprio filho do diretor, Brontis Jodorowsky (que também participou de “El Topo”), enquanto que para o papel do Imperador Padixá, ele desejava o artista plástico Salvador Dalí (que pediu uma soma absurda como cachê, uma das muitas extravagâncias que começaram, aos poucos, a empacar o projeto), para o vilão Barão Harkonnen, ele fechou com Orson Welles (o plano-sequência inicial de “A Marca da Maldade”, inclusive, seria referenciado na formidável cena de abertura de “Duna”) e finalmente o perigoso antagonista Feyd-Rauth ganharia as feições de um ainda jovem Mick Jagger (!).

Quando essa parte da pré-produção estava enfim pronta –e restava então adquirir financiamento para que o filme começasse a se tornar realidade, os sonhos de Jodorowsky esbarraram na dura e impiedosa realidade: Praticamente todos os estúdios da Hollywood de então receberão um calhamaço gigantesco contendo as artes, os storyboards e os rascunhos que forneciam a ideia de como “Duna” seria. E todos se mostraram empolgados com as possibilidades, até chegarem em seu diretor –Jodorowsky era um nome que, se inspirava admiração em uns, em outros (sobretudo, entre os engravatados executivos manejadores do dinheiro) inspirava apreensão. Em primeiro lugar, é preciso termos em mente que, na época, o gênero de ficção científica era percebido em dois diferentes extremos (em um, o conceito denso, tecnicamente árduo e comercialmente hermético de “2001” ou de “THX 1138”; em outro o de filmes B sem relevância alguma) é necessário lembrarmos que “Star Wars” estava a anos ainda de ser realizado; em segundo, que os estúdios não enxergavam com bons olhos os filmes que Jodorowsky havia perpetrado, autorais, exotéricos e feitos com plena liberdade criativa.

Hollywood disse não à Jodorowsky, condenando o projeto de “Duna” a jamais ser feito.

Todavia, como é lembrado paulatinamente no documentário a partir daí, Hollywood pareceu, à sua maneira, assimilar “Duna” e tudo que ele podia ter sido e não foi: Dan O’ Bannon, Moebius e H.R. Giger se juntaram novamente na equipe do cultuado e bem-sucedido “Alien”, anos depois, e mesmo os filmes mais recentes dessa saga (como “Prometheus”) guardam evidentes traços do que foi reaproveitado em “Duna”. A narrativa aponta inúmeras influências (os filmes de “Flash Gordon”, as várias ideias empregadas em “Star Wars”, “Blade Runner” e até mesmo em “Os Caçadores da Arca Perdida”) até chegar na produção de Dino e Rafaela De Laurentis dos anos 1980, dirigida por David Lynch. Jodorowsky relata que foi quase arrastado ao cinema por seus filhos para assistir “Duna” e exorcizar, enfim, esses demônios, e conta, cheio de bom humor, que sentiu-se aliviado ao constatar que o filme era uma porcaria!

O próprio Alejandro Jodorowsky, com o tempo, encontrou sua própria maneira de superar “Duna”: Ao lado do próprio Moebius, ele usou de diversas ideias que teve para seu roteiro e com elas criou a graphic-novel “O Incal” louvada até hoje como uma das melhores histórias em quadrinhos já realizadas. O reencontro de Jodorowsky com o produtor Michel Seydoux para a realização deste documentário, por sinal, levou ambos à colaborarem novamente para a realização de “A Dança da Realidade”, sua primeira obra em 23 anos.

Datado de 2013, este filme de Frank Pavich só não tem como exibir as considerações de Jodorowsky quando por fim foi lançado a primorosa versão de “Duna”, dirigida pelo canadense Denis Vileneuve, em vez disso, somos convertidos em testemunhas da existência de uma obra jamais filmada, mas cuja ironia diante do fato dela não existir não impediu sua profunda influência sobre inúmeros projetos posteriores. É notável também observar a retórica singular de Jodorowsky, incapaz de conter seu ímpeto criativo e seu entusiasmo quase jovial ao moldar em imagens, os sonhos que vinham ao seu coração.

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