quarta-feira, 4 de abril de 2018

O Dom da Premonição

Perto do fim da década de 1990, após um hiato de tempo sem filmar, o diretor Sam Raimi pareceu enveredar por um cinema mais sério, sinalizando uma espécie de amadurecimento como cineasta. Exemplificando essa fase, o suspense “Um Plano Simples” surpreendia pela austeridade e pela solidez narrativa mesmo guardando, nas entrelinhas, elementos que ainda agregavam o estilo de Raimi –ele parecia enfim estar tomando o rumo que seus grandes amigos, os Irmãos Coen, também tomaram.
Insistindo nesse caminho, ele deu prosseguimento a realização de obras mais adultas com este “O Dom da Premonição” que, de fato, na filmografia de Raimi, só encontra similaridades mesmo com “Um Plano Simples”.
Todavia, “O Dom...” já recupera os elementos sobrenaturais do início de sua carreira.
Numa variação de sua colaboração em “Um Plano Simples”, o roteiro é escrito pelo ator Billy Bob Thornton (que a maioria lembra de seus trabalhos como ator, mas, vale lembrar, ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado em 1997, por “Na Corda Bamba”).
É, pois, uma notável reunião de talentos: Além de Raimi e Thornton atrás das câmeras, o elenco reúne a espetacular Cate Blanchett, a oscarizada Hillary Swank (ela tinha acabado de ganhar o Oscar de Melhor Atriz por “Meninos Não Choram” e ainda ganharia outro, anos depois, por “Menina de Ouro”), o badalado astro de “Matrix” (lançado um ano antes), Keanu Reeves, o ótimo Gregg Kinnear e a jovem Katie Holmes (que, neste filme, tem uma cena de nudez!).
Na trama –que remete a uma ambientação do sul da Flórida muito similar à “Na Corda Bamba”, de Thornton –acompanha Annie Wilson (a sempre excelente Cate Blanchett), uma moradora de uma pitoresca cidade sulista e, nas características que a definem, amplamente inspirada na mãe do próprio Billy Bob: Annie é mãe solteira e cria os filhos valendo-se de clientes interessados em suas habilidades premonitórias como uma espécie de vidente.
Em sua inata experiência para elaborar um bom suspense, o diretor Sam Raimi, muito à vontade no gênero, cerca essa protagonista de personagens coadjuvantes pitorescos e peculiares que justificam plenamente esse elenco estelar (que normalmente um diretor gabaritado como Raimi atrai) e que constituem uma galeria de suspeitos para a colcha de retalhos que a premissa costura: Há o limitado e infantil mecânico Buddy (Giovanni Ribisi), a dona de casa Valerie (Hillary), completamente displicente e passiva em relação à violência que sofre do marido (Keanu Reeves, inesperadamente assustador, é talvez a melhor presença do elenco) e até mesmo o diretor da escola (Gregg Kinnear), por quem Annie nutre uma simpatia especial embora ele seja noivo de Jessica King (Katie), uma garota promiscua que se envolveu co quase todos os homens da cidade.
As habilidades paranormais de Annie tornam-se uma maldição quando suas visões começam a revelar para ela assassinatos iminentes, ou que podem até já ter acontecido –relacionados, inclusive ao súbito desaparecimento de Jessica.
“O Dom da Premonição” é assim quase um meio termo entre a sutileza brilhante de "Um Plano Simples" e as desconcertantes inserções sobrenaturais de "Evil Dead" –com uma nítida inclinação de Raimi para com a seriedade do primeiro, certamente, visando alguma aclamação por esse esforço em amadurecer (“Um Plano Simples”, é bom lembrar teve duas indicações ao Oscar).
Entretanto, como logo ficou claro, Raimi não conseguiu deixar de lado suas paixões de juventude: Ao contrário dos Coen, que souberam conduzir tramas e atmosferas de cunho adulto com o mesmo brilho e entusiasmo de suas obras frenéticas do início da carreira, Raimi não sustentou por muito tempo essa sua tentativa de reinvenção (e este trabalho realmente se ressente de tentar emular o mesmo tipo de narrativa de “Um Plano Simples”) e voltou para os filmes mais fantasiosos com os quais se identificava –logo em seguida, ele assinou contrato para dirigir a aguardada adaptação de “Homem-Aranha” (cujo sucesso desdobrou-se numa trilogia que o ocupou por quase uma década) e realizou um filme de terror nos moldes mirabolantes de “Evil Dead”; o divertido “Arraste-Me Para O Inferno”.
Lá no fundo, o diretor Sam Raimi não queria mesmo crescer.

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