quinta-feira, 28 de junho de 2018

Deus da Carnificina


É notável o fôlego para com este teatro filmado que demonstra o veterano Roman Polanski.
Sua proposta não poderia ser mais árida e ele não tenta convencer o público do contrário: A primeira e a última cena (ambas captadas do mesmo enquadramento) serão a únicas tomadas externas do filme.
Tudo o mais se desenvolverá dentro de uma apartamento de Nova York onde se reúnem dois casais de aspectos respeitável e amigável.
Michael e Penelope Longstreet (John C. Reilly e Jodie Foster) são os moradores, e são também os pais do menino que aparece sendo atingido no rosto na primeira cena. Eles recebem em sua residência, Alan e Nancy Cowan (Christoph Waltz e Kate Winslet), pais do garoto que cometeu a agressão.
Mestre do desconforto, Polanski já evidencia ali, no engatilhar da cena, que todos querem seguir seus devidos caminhos; os visitantes ensaiam sua saída, os moradores iniciam seus protocolos de despedida.
Todavia, como numa variação mais realista (porém, igualmente absurdista) de Buñuel em “O Anjo Exterminador”, toda a vez que Nancy e Alan parecem conseguir uma brecha para sair porta afora ocorre um incidente ou uma situação que os obriga a ficar um pouco mais –pequenos detalhes de civilização que nos atrelam à circunstâncias desagradáveis, como uma ligação no celular que ocupa a atenção de uma das pessoas (e leva as demais a ficar em suspense); um tópico da conversa que surge inesperadamente e leva a discussão por outro caminho; uma menção inesperada a um café (ou a um bolo, ou a um copo de uísque).
Incapazes de se desvencilhar dessa situação, os quatro personagens tão forçosamente adultos, responsáveis e educados vão aos poucos abandonando suas bases de civilização a medida que a encenação primorosa de Polanski os confronta com impressões primitivas de fato como a perda, o repúdio, o asco e o ultraje.
Uma amostra de como são frágeis os indicativos de civilização do ser humano, concebida por Polanski com uma curiosa proximidade temática e estilística com Michael Haneke: Tanto a cena do prólogo e do epílogo fazem lembrar o trabalho magnífico de composição de quadros em movimento que o mestre austríaco realizou em “Caché”, assim como a natureza do enredo embutido nesse debate tem muito a ver com obras como “A Fita Branca” ou “O Video de Benny”.
O resultado, embora inacessível para boa parte do público, prima pelo notável uso que Polanski faz do humor negro em suas mais profundas considerações.

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