sexta-feira, 22 de junho de 2018

O Congresso Futurista


Saído da magistral e densa experiência em rotoscopia formulada chamada “Valsa Com Bashir”, o diretor Ari Folman arriscou, em seu segundo projeto, uma obra concebida com a mesma técnica –que consiste em desenhar animação à mão por cima de uma filmagem real.
Apesar disso, tanto “Bashir” quanto este “O Congresso Futurista” são trabalhos essencialmente adultos.
“Bashir” investigava os labirintos lúgubres das memórias em busca da mais atroz das verdades, já “Congresso...” observa, por meio das alegorias surreais da ficção científica, os subterfúgios improváveis da arte e da tecnologia e a facilidade com que esses percalços podem nos roubar a identidade, a segurança e a sanidade.
Do livro de Stanislaw Lem (autor do romance filmado em “Solaris”), que supostamente esta obra adapta, sobrou muito pouco: Tão transfigurado ele foi pelas idéias pertinentes e de intenções mais atuais de Folman que o que resta do delírio literário e futurista sobre o autoritarismo é, quanto muito, a perplexidade que ele evoca em perspectiva da manipulação da vida.
A magnífica Robin Wright interpreta a si mesma num futuro profético e metalingüístico: Com a substituição cada vez maior das produções filmadas em celulóide pelos filmes digitais gerados por computador, a única e última cartada que ela pode dar para manter-se relevante, segundo seu agente (vivido por Harvey Keitel) é cedendo os direitos de sua imagem para que os estúdios escaneiem seu rosto e usem sua eterna aparência jovem nos filmes do futuro para todo o sempre.
Munido de um elenco espetacular de nomes famosos, conquistados sem dúvida graças à repercussão de sua belíssima obra anterior, Ari Folman alterna os dilemas existenciais de Robin Wright em relação ao que foi sua carreira (flertando audaciosamente com a realidade) e às pulsões de vaidade pessoal de todo artista, com uma gradual e delirante queda rumo à animação que ganha espaço na narrativa em seu segundo ato quando o filme avança alguns anos no tempo, e a protagonista vai participar do assim chamado Congresso Futurista e começa, aos poucos, a perder a certeza da realidade –e o filme, a perder um pouco de seu sentido.
É um reflexão pretensamente profunda e tragicamente surreal sobre a difícil conjugação entre as angústias reais e as imaginárias que paira sobre o processo da arte –e é curioso que Folman não utilize o recurso da animação/live-action para ilustrar essa incongruência, mas sim para confundí-la.

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