Saído da magistral e densa experiência em
rotoscopia formulada chamada “Valsa Com Bashir”, o diretor Ari Folman arriscou,
em seu segundo projeto, uma obra concebida com a mesma técnica –que consiste em
desenhar animação à mão por cima de uma filmagem real.
Apesar disso, tanto “Bashir” quanto este “O
Congresso Futurista” são trabalhos essencialmente adultos.
“Bashir” investigava os labirintos lúgubres das
memórias em busca da mais atroz das verdades, já “Congresso...” observa, por
meio das alegorias surreais da ficção científica, os subterfúgios improváveis
da arte e da tecnologia e a facilidade com que esses percalços podem nos roubar
a identidade, a segurança e a sanidade.
Do livro de Stanislaw Lem (autor do romance
filmado em “Solaris”), que supostamente esta obra adapta, sobrou muito pouco:
Tão transfigurado ele foi pelas idéias pertinentes e de intenções mais atuais
de Folman que o que resta do delírio literário e futurista sobre o autoritarismo
é, quanto muito, a perplexidade que ele evoca em perspectiva da manipulação da
vida.
A magnífica Robin Wright interpreta a si mesma
num futuro profético e metalingüístico: Com a substituição cada vez maior das
produções filmadas em celulóide pelos filmes digitais gerados por computador, a
única e última cartada que ela pode dar para manter-se relevante, segundo seu
agente (vivido por Harvey Keitel) é cedendo os direitos de sua imagem para que
os estúdios escaneiem seu rosto e usem sua eterna aparência jovem nos filmes do
futuro para todo o sempre.
Munido de um elenco espetacular de nomes
famosos, conquistados sem dúvida graças à repercussão de sua belíssima obra
anterior, Ari Folman alterna os dilemas existenciais de Robin Wright em relação
ao que foi sua carreira (flertando audaciosamente com a realidade) e às pulsões
de vaidade pessoal de todo artista, com uma gradual e delirante queda rumo à
animação que ganha espaço na narrativa em seu segundo ato quando o filme avança
alguns anos no tempo, e a protagonista vai participar do assim chamado
Congresso Futurista e começa, aos poucos, a perder a certeza da realidade –e o
filme, a perder um pouco de seu sentido.
É um reflexão pretensamente profunda e
tragicamente surreal sobre a difícil conjugação entre as angústias reais e as
imaginárias que paira sobre o processo da arte –e é curioso que Folman não
utilize o recurso da animação/live-action para ilustrar essa incongruência, mas
sim para confundí-la.
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