Neil Jordan era escritor antes de iniciar sua
carreira como diretor de cinema em “Angel”, de 1981. Essa faceta de criador
literário ele exercita em “Mona Lisa” ao estabelecer um paralelo o tempo todo
pertinente entre a própria trama e as conversas dos dois amigos, Bob Hoskins, o
protagonista, e Robbie Coltrane (de “Harry Potter”) que vive seu melhor amigo,
um leitor inveterado de romances pulp e também aspirante a escritor –as tramas
que ele engenha (e que se confundem com os livros que ele lê) refletem
arquétipos que surgem e se transfiguram a medida que os personagens com os
quais nos deparamos em “Mona Lisa” vivenciam seus próprios arcos dramáticos.
A começar por George, um ex-presidiário
irritadiço e temperamental que, na atuação primordial de Bob Hoskins, se
converte num personagem pelo qual a plateia alimenta empatia genuína.
Sem família (a ex-mulher sequer consegue
olha-lo na cara e não deseja que se aproxime da filha), e tendo como único
amigo Thomas (Coltrane), George arruma emprego com Mortwell (Michael Caine), o
figurão parcialmente responsável por sua prisão.
Sua tarefa é servir de motorista para a exótica
Simone (Cathy Tyson, atriz oriunda do teatro estreando em cinema, mesmo depois
fez poucos filmes como “A Maldição dos Mortos-Vivos” e “O Padre”).
Ainda que violento, intempestivo e exalando a
truculência das ruas (características que inicialmente comprometem sua atuação
sutil como motorista discreto), George é um tanto ingênuo; ele demora até
perceber que a função de Simone é como garota de programa de luxo –ele a leva e
traz para hotéis cinco estrelas e mansões luxuosas onde encontra seus clientes,
e ocasionalmente a protege dos contratempos.
Por sua incompatibilidade aparente, são normais
e exasperados os atritos que ambos no início experimentam: George porque é tão
desleixado quando rude, e sabe disso; Simone porque age como uma dama da
sociedade, e manter essas aparências faz parte de seu negócio.
Mas, Simone tem seus negócios pendentes: Toda
noite, ela pede a George para dirigir por King’s Cross, bairro londrino de
assídua atividade noturna e pólo de prostituição do mais baixo nível.
Lá, Simone procura por algo ou por alguém.
A medida que o relacionamento entre ela e
George se metamorfoseia do choque para o entendimento (e até para a ternura),
ele descobre: Ela está atrás de Cathy, uma estimada companheira de programa de
quem ela se perdeu quando conseguiu levar seu padrão de vida profissional.
Cada vez mais envolvido por Simone, e portanto,
ávido por agradá-la, George passa a procurar por Cathy em meio aos deploráveis
subúrbios londrinos, chegando a conhecer a instável May (Sammi Davis, de
“Esperança & Glória” e “O Despertar de Uma Mulher Apaixonada”).
Na habilidade que demonstra, Neil Jordan
trabalha com excelência um material que poderia soar raso nas mãos de outro
diretor, entretanto, com ele, são fascinantes as imbricações peculiares de seus
personagens que levam a diferentes concepções e rumos de sua premissa. Seu
talento encontra uma forma de tornar notável o banal.
É mais do que necessário ressaltar também o
brilho singular de Bob Hoskins numa das mais excepcionais composições de sua
carreira.
Emoldurado pela música de
Nat King Cole, “Mona Lisa” –cujo romantismo não apenas embala diversos momentos
do filme como também o batiza –esta obra admirável de Jordan se revela uma
história romântica, adulta, fascinante e humana.
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