sexta-feira, 1 de maio de 2020

Suspiria - A Dança do Medo

A refilmagem do filme tido como a obra-prima do cineasta Dario Argento e visto, portanto, como um marco do gênero de terror, esteve por muito tempo relacionada ao diretor David Gordon Green (das comédias “Segurando As Pontas” e “Sua Alteza”), até o impedimento da produção, por inúmeros contratempos, adiar sua realização por anos, quando então o italiano Lucas Guadagnino, alçado ao status de celebrado autor após a tremenda aclamação de público e crítica obtida por seu “Me Chame Pelo Seu Nome”, se propôs, em seu projeto seguinte, a essa ousada manobra.
Em função do bom-senso de Guadagnino, as similaridades entre o seu “Suspiria” e o de Argento são básicas: Restringem-se à premissa inicial na qual uma jovem novata chega em uma famosa escola de dança em Berlim, na Alemanha então ainda dividida pelo Muro –o filme se ambienta no mesmo período do filme original, 1977, embora naquele a cidade seja Friburgo.
Provando uma relevante disposição para experimentar desafios distintos em relação à “Trilogia Cinquenta Tons de Cinza”, onde ficou famosa, a jovem Dakota Johnson surge aqui interpretando Suzy Bannion, protagonista que, no filme original, foi interpretada por Jessica Harper. Vinda dos EUA, Suzy se apresenta na célebre Escola de Dança Moderna Tanz, e ganha uma vaga de modo relativamente fácil para um lugar tão seletivo quanto diziam.
O motivo de sua rápida admissão parece ter sido o desaparecimento de uma aluna (Chloe Grace Moretz), deixando tal vaga em aberto: Esses e outros indícios parecem apontar para algo de muito tenebroso se passando naquele lugar.
Ao comprometer-se com o ato de refilmagem, o filme de Guadagnino defronta-se assim com um de seus primeiros dilemas: Preservar o mesmo mistério mantido no filme original até o fim (subestimando assim a inteligência do público daquele filme, a quem supostamente este seria dirigido, e que já sabe de antemão do que seu plot se trata), alterar drasticamente os desdobramentos da história (descartando assim os própositos pelos quais se revisitaria o enredo e os personagens desse clássico) ou entregar as informações já sabidas de imediato, seguindo por uma nova proposta diante da manutenção dos mesmos elementos –parece ter sido a terceira opção a escolhida pelo roteiro e pela direção aqui.
Assim, ainda no primeiro terço de filme já sabemos que a escola de dança é fachada para um conciliábulo de bruxas, e que tais entidades estão entre as professoras e a junta da diretoria do lugar, e que, não duvide, estão envolvidas no desaparecimento da bailarina e em outros acontecimentos macabros que se sucedem.
Dividido em seis episódios e um epílogo, o filme de Guadagnino atinge inacreditáveis cento e cinquenta e dois minutos de duração, dispersos numa trama que acompanha a progressão da consciência da protagonista do contexto assombroso em que está inserida (num dos lances que, deveras, mais distanciam esta obra do filme original de Argento), a percepção do plano derradeiro das bruxas (a reunião flagrada no sexto episódio é um momento absolutamente antológica em seu preciosismo visual), o desenlace algo existencial da maioria dos desdobramentos mostrados ou mencionados (memorável a cena onde as personagens de Mia Goth e Elena Fokina sofrem uma espécie de represália sobrenatural das bruxas), e uma inclusão cheia de pretensões históricas, metafóricas e alegóricas em relação à Segunda Guerra Mundial e o extermínio de judeus –para tanto há um personagem, o Dr. Klemperer, que protagoniza toda uma sub-trama paralela que infelizmente não leva a lugar nenhum, e cuja serventia acaba sendo a de alongar o argumento principal, um desserviço uma vez que faria um bem danado ao seu clima aterrorizante o filme manter-se mais sucinto e objetivo.
Ao menos há um mérito nesse artifício: O Dr. Klemperer, bem como outras duas personagens importantes (a professora Madame Blanc e a asquerosa Markus, líder das bruxas), são interpretados pela mesma e surpreendente Tilda Swinton, que se sai magnificamente bem em todos esses diferenciados personagens.
Se Dario Argento transformou sua realização numa orgia visual com cores projetadas em cenas e cenários a engolir o filme num caleidoscópio sensorial, o trabalho de Luca Guadagnino segue uma direção deliberadamente inversa: Ele se constrói de cores saturadas e frias, evocando as opressões do ambiente implícitas na trama, deixando o choque visual para momentos gráficos que quando chega a entregar o faz com propriedade inquestionável. A lamentar apenas o fato de que o diretor, ao priorizar facetas demais, não soube desapegar-se do desnecessário para manter seu filme realmente enxuto, e com isso, assustador e válido.

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