quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Lanterna Verde


 O cinema comercial é um mar melindroso de se navegar, mais ainda se o seu objetivo vai além do sucesso propriamente dito de um único filme, mas almeja plantar uma semente que leve a toda uma franquia. O público em geral tem um paladar que pede por fórmulas confortáveis, mas que não se prendam à repetição mecânica, sendo temperadas com alguma ousadia e contravenção para se fazer minimamente surpreendente em algum momento.

A Marvel Studios fez escola, e sucesso estrondoso, sabendo administrar esse cardápio.

Muitos foram os que tentaram e não conseguiram. Nesse sentido, uma das primeiras tentativas da DC Comics –que, pelo seu catálogo vasto de conhecidos super-heróis, era a aposta mais óbvia à seguir os passos da Marvel –foi esta produção de 2011 que, pelo perfil dos envolvidos (era dirigida por Martin Campbell, que quatro anos antes entregou o fenomenal “Cassino Royale”; e estrelada por Ryan Reynolds, então um astro em potencial), pelo apelo de seu personagem (uma criação uma bocado original que, nos quadrinhos, ombreia em relevância tanto com Superman quanto com Batman), e pelos indícios inicialmente demonstrados pelo próprio filme (cujas primeiras imagens e trailers apontavam para uma realização visualmente caprichada, com ação e personalidade), prometia acender o estopim que poderia colocar os heróis da DC no cinema.

Se tudo parecia no lugar –e, de certa maneira, realmente estava –“Lanterna Verde” tornou-se uma prova de que, se há um elemento que garante a qualidade (ou falta dela) em um projeto desde sua gênese, este é o roteiro: Escrito pelo quinteto Greg Berlanti, Marc Guggenheim, John Broome, Michael Greenberg e Michael Goldenberg, “Lanterna Verde” desperdiça as facetas épicas embutidas na origem do herói (da qual este filme se incumbe sem maiores entusiasmos) para tentar fazer uma comédia inapropriada na maior parte do tempo –e isso acaba contaminando o bom diretor Campbell que, se consegue imprimir sua experiência na execução de cenas flúidas e bem filmadas, equivoca-se ao optar por um estilo diferenciado de edição onde sequências distintas, como lembranças, se sobrepõem à outras cenas sem um propósito narrativo que as entrelaçasse e sem uma emoção que as fizesse válidas.

Em meio à todo esse equívoco, Ryan Reynolds interpreta o piloto Hal Jordan, cujo destino, ele mal sabe, é tornar-se um super-herói: Nos confins da galáxia, a criatura Paralax, um mal constituído de medo (ou, ao menos, essa é a pífia definição que ele recebe...) inicia o seu trajeto para consumir mundos. A Tropa dos Lanternas Verdes, guardiões de vários setores da galáxia, é enviada para detê-lo, mas Abin Sur (Temuera Morrison, de “Aquaman”), o lanterna verde do setor onde está a Terra, é atingido e cai, moribundo, em nosso planeta. Seguindo o protocolo, ele envia seu poderoso anel mágico para procurar uma alma corajosa e benevolente, digna de substituí-lo, e eis que ele escolhe Hal Jordan.

Dotados desses novos poderes –que, como é de se supor, vai gradativamente aprendendo a usar –Jordan entra em contato com os alienígenas da Tropa de Lanternas Verdes –entre os quais Kilowog (voz de Michael Clarke Duncan), Tomar-Re (voz de Geoffrey Rush) e Sinestro (Mark Strong, num personagem que seria o possível vilão da continuação) –passa a treinar para seu iminente confronto com Paralax –no qual, é claro, ele desempenhará papel crucial! –e descobre-se o herói que jamais imaginou ser.

Em algum momento dessa jornada, existem os desnecessários acréscimos de um núcleo humano, a dar conta de uma trama sucedida aqui na Terra, e que mostra o vilanesco Hector Hammond (Peter Sarsgaard) sendo contaminado pela matéria que gerou Paralax e virando, ele próprio, o monstrengo da vez, ameaçando com isso a vida de seu pai, o Senador Hammond (Tim Robbins) e da agente do governo Amanda Waller (Angela Bassett, num papel interpretado depois por Viola Davis em “Esquadrão Suicida”); há também a introdução do inevitável interesse romântico do herói, nas curvas sensacionais de Carol Ferris (a belíssima Blake Lively, que depois casou-se com Reynolds na vida real).

Não faltam boas intenções à “Lanterna Verde”, e nem tampouco possibilidades, sejam elas artísticas ou técnicas, que o tivessem transformado num grande filme, todavia, a ineficiência atroz de seu roteiro e sua sucessão quase inacreditável de lapsos (inclusive, alguns grotescos de inverossimilhança e continuidade) o sabotam de tal maneira que, chegando perto do fim, a sacada derradeira e patética com a qual o bem vence o mal já nem espanta mais o público, insensibilizado por um filme tão erroneamente construído.

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