Não há como evitar a expectativa que uma união entre um ator como Tom Hanks e um diretor como Paul Greengrass provoca no público ou em qualquer um que conheça o mínimo do trabalho dos dois.
Ainda assim, o resultado desse união, “Capitão
Phillips”, conquista a aprovação do expectador por várias outras qualidades.
No início, com uma narrativa já determinada
pelas inquietas câmeras na mão do diretor, acompanhamos a rotina de Richard
Phillips (Hanks), capitão da marinha mercante norte-americana, preparando-se
para mais uma incursão em alto-mar. O breve diálogo dentro do carro denota a
preocupação de sua esposa (vivida por Catherine Keener) com os perigos
eventuais de seu trabalho e, em última instância, com os efeitos dessa ausência
prolongada no humor dos filhos –é uma cena reflexiva feita para estabelecer a
conexão entre o protagonista e o público antes de toda ação se iniciar (e
quando começa, não pára mais!), contudo, há uma impressão ligeiramente imprevista:
Ela imediatamente remete às críticas mais assíduas que o filme de Greengrass
recebeu quando de seu lançamento, afirmando que o verdadeiro Richard Phillips
em certos momentos nunca chegou a dizer coisas que o personagem de Hanks disse,
nem a fazer o que o personagem fez, ou estar nos lugares em que ele esteve. Em
suma, se o filme desenha o protagonista como um genuíno herói da vida real,
muitos foram os que se apresentaram para dizer que Richard Phillips não foi
assim tão heróico...
Interpretado por Tom Hanks com a habitual e
insolúvel capacidade para cativar a plateia que ele tem, Richard Phillips surge
assim como o personagem principal com quem a plateia se identifica, de
imediato, como a pessoa à qual ela irá ancorar sua torcida e simpatia.
Entretanto, apesar do belo desempenho de Hanks, é na verdade a sua contraparte,
do outro lado dessa trama de tensão e suspense, quem realmente consegue
surpreender: Trata-se de Barkhad Abdi, no papel de Muse, líder dos piratas
modernos que surgem em dado momento, e cuja atuação –indicada ao Oscar de
Melhor Ator Coadjuvante em 2014 –revela-se habilidosa e cheia de propriedades.
Pena que todo o talento ostentando por Barkhad Abdi aqui corre o risco de se
restringir à etnia de suas marcantes características; até então, ele só
reapareceu numa interessantíssima ponta em “Blade Runner 2049”.
Morador de um povoado pobre na costa da
Somália, Muse é um dos muitos moradores que enxergam no exercício da pirataria
marítima uma oportunidade para confiscar algum item precioso. Ao lado de outros
companheiros que unem perigosamente desespero e brutalidade, Muse tenta abordar
a embarcação capitaneada por Phillips, com destino à Mombaça, no Quênia.
Se os piratas falham na primeira tentativa –os
imensos cargueiros norte-americanos tinham mangueiras de alta pressão para
afugentar os invasores –na segunda, eles conseguem se valer de uma brecha no
sistema de defesa para adentrar a grande embarcação. O navio é tomado por
piratas armados. Phillips se torna, oficialmente, o negociador da tripulação
durante o tenso sequestro que se inicia.
Quando parecia que tudo teria um rumo previsto
–com os piratas deixando a embarcação à bordo de um bote equipado chamado
baleeira depois de confiscarem o que queriam –o grupo de Muse decide partir do
navio levando Phillips como refém. Tem início então uma situação ainda mais
árdua.
Como em “Vôo United 93” ou no primordial
“Domingo Sangrento”, o diretor Greengrass, a partir daí, não poupa o fôlego do
expectador: Sua narrativa evoca toda a pressão quase insuportável que todos os
envolvidos experimentaram (os piratas somalianos com os nervos em frangalhos e
cada vez mais perto de cometer uma loucura; os norte-americanos encarregados da
negociação e suas frustrantes tentativas de assumir o controle da situação; e o
próprio Phillips cuja integridade psicológica vai minguando diante da terrível
provação).
A situação muda –e, no caso do filme, ganha
mais urgência e ares de produção de ação –quando entram em cena os operativos
do SEAL, que assumem a operação para tentar libertar o Capitão Phillips e, daí
em diante, o filme fica sob a grave ameaça de parecer uma descabida propagando
americanizada do desempenho logístico e operacional dos SEALs.
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