sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Capitão Phillips


 Não há como evitar a expectativa que uma união entre um ator como Tom Hanks e um diretor como Paul Greengrass provoca no público ou em qualquer um que conheça o mínimo do trabalho dos dois.

Ainda assim, o resultado desse união, “Capitão Phillips”, conquista a aprovação do expectador por várias outras qualidades.

No início, com uma narrativa já determinada pelas inquietas câmeras na mão do diretor, acompanhamos a rotina de Richard Phillips (Hanks), capitão da marinha mercante norte-americana, preparando-se para mais uma incursão em alto-mar. O breve diálogo dentro do carro denota a preocupação de sua esposa (vivida por Catherine Keener) com os perigos eventuais de seu trabalho e, em última instância, com os efeitos dessa ausência prolongada no humor dos filhos –é uma cena reflexiva feita para estabelecer a conexão entre o protagonista e o público antes de toda ação se iniciar (e quando começa, não pára mais!), contudo, há uma impressão ligeiramente imprevista: Ela imediatamente remete às críticas mais assíduas que o filme de Greengrass recebeu quando de seu lançamento, afirmando que o verdadeiro Richard Phillips em certos momentos nunca chegou a dizer coisas que o personagem de Hanks disse, nem a fazer o que o personagem fez, ou estar nos lugares em que ele esteve. Em suma, se o filme desenha o protagonista como um genuíno herói da vida real, muitos foram os que se apresentaram para dizer que Richard Phillips não foi assim tão heróico...

Interpretado por Tom Hanks com a habitual e insolúvel capacidade para cativar a plateia que ele tem, Richard Phillips surge assim como o personagem principal com quem a plateia se identifica, de imediato, como a pessoa à qual ela irá ancorar sua torcida e simpatia. Entretanto, apesar do belo desempenho de Hanks, é na verdade a sua contraparte, do outro lado dessa trama de tensão e suspense, quem realmente consegue surpreender: Trata-se de Barkhad Abdi, no papel de Muse, líder dos piratas modernos que surgem em dado momento, e cuja atuação –indicada ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 2014 –revela-se habilidosa e cheia de propriedades. Pena que todo o talento ostentando por Barkhad Abdi aqui corre o risco de se restringir à etnia de suas marcantes características; até então, ele só reapareceu numa interessantíssima ponta em “Blade Runner 2049”.

Morador de um povoado pobre na costa da Somália, Muse é um dos muitos moradores que enxergam no exercício da pirataria marítima uma oportunidade para confiscar algum item precioso. Ao lado de outros companheiros que unem perigosamente desespero e brutalidade, Muse tenta abordar a embarcação capitaneada por Phillips, com destino à Mombaça, no Quênia.

Se os piratas falham na primeira tentativa –os imensos cargueiros norte-americanos tinham mangueiras de alta pressão para afugentar os invasores –na segunda, eles conseguem se valer de uma brecha no sistema de defesa para adentrar a grande embarcação. O navio é tomado por piratas armados. Phillips se torna, oficialmente, o negociador da tripulação durante o tenso sequestro que se inicia.

Quando parecia que tudo teria um rumo previsto –com os piratas deixando a embarcação à bordo de um bote equipado chamado baleeira depois de confiscarem o que queriam –o grupo de Muse decide partir do navio levando Phillips como refém. Tem início então uma situação ainda mais árdua.

Como em “Vôo United 93” ou no primordial “Domingo Sangrento”, o diretor Greengrass, a partir daí, não poupa o fôlego do expectador: Sua narrativa evoca toda a pressão quase insuportável que todos os envolvidos experimentaram (os piratas somalianos com os nervos em frangalhos e cada vez mais perto de cometer uma loucura; os norte-americanos encarregados da negociação e suas frustrantes tentativas de assumir o controle da situação; e o próprio Phillips cuja integridade psicológica vai minguando diante da terrível provação).

A situação muda –e, no caso do filme, ganha mais urgência e ares de produção de ação –quando entram em cena os operativos do SEAL, que assumem a operação para tentar libertar o Capitão Phillips e, daí em diante, o filme fica sob a grave ameaça de parecer uma descabida propagando americanizada do desempenho logístico e operacional dos SEALs.

“Capitão Phillips” tem o mérito de retratar com ineditismo a pirataria moderna pelo prisma do cinema hollywoodiano, falta algo, contudo, que o impede de atingir a maestria sem par daqueles outros trabalhos de Greengrass, todos eles, geniais na forma com que relatam acontecimentos determinantes e pontuais no panorama sócio-político mundial.

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