quarta-feira, 11 de maio de 2022

As Confissões de Schmidt


 O foco do cinema de Alexander Payne está no corriqueiro, no medíocre e no banal. De sua pena enquanto roteirista e de suas lentes enquanto diretor, as histórias que brotam sempre se voltam a uma espécie peculiar de norte-americano, aquele que, contrariando a promessa do american way of life, não sagrou-se um vencedor de sucesso. Ele reflete sobre essa inescapável condição –a de que, se alguém venceu, paradoxalmente, deve também existir alguém que teve de perder –no âmbito estudantil em “Eleição” e na seara das discussões midiáticas envolvendo o aborto nos anos 1990 em “Ruth Em Questão”. Sua verve ainda abordou, mais tarde, os relacionamentos sob o prisma do consumo alcoólico (“Sideways”), as crises inevitáveis de auto-estima mesmo em um cenário pleno de vivacidade como o Hawaí (“Os Descendentes”) e a jornada sem esperança, sem ânimo e sem cor de uma idosa (“Nebraska”). No centro de cada uma dessas narrativas, as pessoas norte-americanos que contradizem a máxima da Terra das Oportunidades e que, em geral, são varridas para baixo do tapete.

Ponto de virada na compreensão e na aceitação pessoal desse estilo, “As Confissões de Schmidt” é uma luxuosa observação sobre as amarguras prosaicas e nada extraordinárias de um americano sozinho, convencional e comum que, num gesto de pura ironia, vem a ser interpretado pelo pra lá de extraordinário Jack Nicholson.

Adentrando na trama no exato último dia de trabalho, na iminência da aposentadoria, Warren Schmidt sempre foi o tipo de funcionário que aguardava, entediado os ponteiros do relógio atingirem o local certo para bater seu ponto. Em casa, as regras domésticas eram ditadas por sua esposa, com quem era casado à muito tempo.

Em questão de pouco tempo, Schmidt é privado de tudo isso –ao aposentar-se, ele não tem mais um relógio para lhe impor os horários de ir e vir; e, ao enviuvar, ele já não tem uma esposa que lhe diga o que e como fazer. No melancólico roteiro de Payne, a liberdade de Schmidt para uma série de coisas começa não sem antes a consciência do que teve de perder para chegar ali. Sem algo ao qual se agarrar, sem um motivador para suas ações resta à Schmidt procurar pelo único resquício de sua família, a filha Jeannie (Hope Davis, de “Anti-Herói Americano”) que está de casamento marcado com o insosso caipira Randall (Dermot Mulroney) e que, na idealização de Schmidt, é a única pessoa que lhe entenderá e lhe fará companhia para o resto da vida.

Parte road-movie, parte drama de costumes, parte comédia dramática, “As Confissões de Schmidt” exibe uma desolação existencial tão pungente que seus esforços cômicos por vezes se neutralizam na trajetória pontuada de desânimos, fracassos e equívocos de seu protagonista. Schmitd só não é um personagem mais deprimente porque Jack Nicholson consegue nele imprimir um senso de humor subliminar que o torna envolvente, e porque a fauna de coadjuvantes que o cercam estão ou bem dirigidos (caso de Hope Davis e Mulroney) ou muito bem representados (caso da marcante participação de Kathy Bates). Ainda assim, é necessário adentrar este introspectivo conto sobre a intoxicante mediocridade da vida com o espírito preparado para o tom sempre denso e comiserativo de seu realizador.

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