quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Os Últimos Na Terra


 Há uma visão que persegue inúmeros autores no sub-gênero da ficção científica distópica e pós-apocalíptica: Nessa visão persistem, num conflito moral e existencial, três protagonistas (um negro, um branco e uma mulher) a lidarem com os esmagadores sentimentos que a solidão e a obliteração da civilização lhes impôs. O encontro de tais personagens, aparentemente, ressuscita o microcosmos de intolerância que sempre norteou as instintivas ações do ser humano.

Pode parecer uma hipérbole, mas, em torno dessas circunstâncias se construíram obras como o neo-zelandês “Terra Tranquila” e o clássico “O Diabo, A Carne e o Mundo”. Cada um desses –e mais o livro homônimo “Z for Zachariah”, de Robert C. O’Brien –serve de base para o argumento, escrito por Nissar Modi, deste filme. Seu início –e, por que não, todo o desenvolvimento do resto... –segue uma linha à qual a ficção científica já habituou seus expectadores: As cenas iniciais mostram cidades norte-americanas abandonadas em sua exuberante desolação, qual as cenas já famosas do ótimo “Eu Sou A Lenda”. A personagem vestida e isolada dos pés à cabeça que perambula esses escombros, logo descobriremos, é a jovem Ann (Margot Robbie, então conhecida apenas por sua participação em “O Lobo de Wall Street”). Descobrimos também que é a radiação o grande mal que selou o destino da maior parte dos seres humanos. Habitante de regiões interioranas deste antes da tragédia, Ann mora numa fazenda localizada em um vale montanhoso, e lá, por uma série de favoráveis circunstâncias geográficas, ela se manteve segura. E solitária.

Suas incursões no mundo colapsado e sem vida à qual a civilização foi reduzida se dão em busca de comida (cada vez mais escassa) e mediante todas as devidas precauções –os sobreviventes, se é que existem, são pessoas contaminadas, doentes e desesperadas, que podem atacá-la. Em algum lugar, ela acredita, pode estar seu irmão mais novo, que saiu de casa pouco antes de tudo acontecer. Certo dia, contudo, outro sobrevivente cruza o caminho de Ann: O engenheiro pesquisador John Loomis (Chiwetel Ejiofor), depois de uma árdua caminhada dentro de um exaustivo traje de proteção, encontra o caminho até o vale e se banha nas águas do riacho próximo.

Ann o adverte a tempo de que as águas veem de fora do vale e, portanto, estão contaminadas com radiação. Ele se salva por muito pouco, adoece, e acaba padecendo por dias a fio antes de se curar. Durante todo esse tempo, Ann, que era filha do pastor local, reza pela sua melhora, ávida que estava por um mínimo de companhia humana.

John, porém, é mais arredio que ela. Sua aproximação é hesitante, cautelosa e bem pouco afetiva, para desânimo dos expectadores que esperarem uma expressão maior de romance –o que torna a escalação da lindíssima Margot Robbie algo um tanto contraditório e absurdo em relação à essa marcha engatada pela narrativa. Em grande medida, a justificativa para essa relutância sentimental é porque John é negro, e Ann, é branca.

É o terceiro vértice desse triângulo que trará sentimentos mais urgentes à relação: Lá pelas tantas aparece, como quem não quer nada, o matuto Caleb (Chris Pine). Embora abertamente obsequioso e pretensamente humilde, Caleb é voluntarioso, cheio de charme, e partilha com Ann, várias características que a diferenciam de John: Foi morador da mesma região quando menino, é devoto da mesma religião e das mesmas orações que Ann (enquanto que John só consegue esboçar seu desconforto com a fé da moça) e, para complicar, é branco!

Diante dessas questões, e da desvantagem clara, John até tenta abrir mão da mal-esboçada relação que construíra antes com Ann, mas a chegada de Caleb só evidenciou o quanto a jovem se tornou importante para ele.

Pouco interessado nas questões que levaram o mundo à uma derrocada, o filme dirigido com contenção e contemplação por Craig Zobel prefere se concentrar nas pequenas tensões, oriundas dos mínimos detalhes, a nascer entre esses personagens, todos eles, apresentando índoles distintas que conduzem à disputas, embates e discussões de natureza íntima, ancorando essa premissa no profissionalismo dos três atores em cena –dentre os quais, facilmente se destaca Margot Robbie. Algo dessa introspecção remete ao excelente “A Estrada”, de John Hilcoat, na maneira com que justapõe o comportamento e a moralidade do ser humano com a consciência de um mundo, e uma civilização, portanto, que não existem mais.

O desfecho de “Z For Zachariah” para suas celeumas intimistas e dramáticas é apropriadamente elíptico sugerindo a barbárie germinando na índole mais improvável, impelida por todas as condições favoráveis; há uma diferença, afinal, entre viver e sobreviver.

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