Diretor do igualmente brilhante (e igualmente inspirado em uma catástrofe real) “O Impossível”, o espanhol J.A. Bayona volta suas lentes, desta vez, para o famoso acidente de avião decorrido em 1972, que confinou um grupo de jovens jogadores de rúgbi nas imensidões inóspitas e geladas da Cordilheira dos Andes –a mesma tragédia já havia inspirado os filmes “Os Sobreviventes dos Andes”, de 1976, e “Vivos”, de 1993. A obra de Bayona é, de longe, a mais cinematograficamente concisa e perfeita.
No dia 13 de outubro de 1972, um grupo de
jovens uruguaios, integrantes desportistas de um time de rúgbi, junto de amigos, preparadores e
familiares, pegam o avião 571, com destino ao Chile, e em seu percurso, é
severamente castigado pelas intempéries ao atravessar a Cordilheira dos Andes. Solapado
pelos fortes ventos, a aeronave cai na neve –numa cena brilhantemente
equilibrada, montada e concebida, sem excessos e sem omissões –deixando cerca
de 29 sobreviventes dentre os 45 passageiros que se achavam a bordo.
Acreditando numa chegada iminente de uma equipe
de resgate –esperança essa que vai minguando a medida que dias, semanas e meses
vão se passando –os sobreviventes lutam para superar as condições climáticas
extremamente adversas (o frio naquela altitude atingia níveis atrozes),
refugindo-se dentro do que restou da fuselagem do avião. Contudo, a gradual e
inclemente passagem dos dias confronta a todos com uma fome severa, deixando
claro que será, acima de tudo, essa privação –para além dos ferimentos
terríveis que fulminam um ou outro –o fator que poderá acabar matando a todos
eles.
Firmando uma espécie de pacto implícito –não
sem antes padecer de todos os questionamentos morais e éticos que alguém
civilizado experimentaria –os sobreviventes decidem usar da única comida que
têm à disposição: A carne nos corpos dos falecidos no acidente (amigos e
familiares) que, devido ao frio extremo, manteve-se conservada sem entrar em
putrefação.
Numa comparação –inevitável para os cinéfilos
um pouco mais velhos –com “Vivos”, o trabalho de Bayona é inquestionavelmente
mais amplo, mais detalhado e mais circunspectamente humano que a burocrática
obra de Frank Marshall; “Vivos” é uma reconstituição básica, começando minutos
antes do acidente e terminando no momento do resgate. “A Sociedade da Neve” não
é, e nem quer, ser tão enxuto assim –ele explora os momentos de convívio dos
personagens muito antes do avião partir (prólogo que só faz potencializar o
drama quando, lá pelas tantas, as cenas de canibalismo se farão necessárias) e
continua a acompanhar os sobreviventes (que, depois de todas as provações
naqueles exasperantes e intermináveis 72 dias, terminaram sendo apenas 16) após
enfim serem resgatados, mostrando sua catártica e ainda dolorosa recuperação no
hospital, e uma inesperada dificuldade de readaptação à vida normal.
Se “Vivos” colocava como personagens principais
Nando Parrado e Roberto Canessa (muito bem interpretados aqui por Augustín
Pardella e Matías Recalt, respectivamente), justamente aqueles que, no
angustiante trecho final, empreenderam uma inacreditável caminhada rumo ao
Chile, na tentativa de achar a civilização e vencer a intransponibilidade
gigantesca da imensurável Cordilheira (jornada árdua retratada em minúcia
comovente pelo diretor Bayona), em “A Sociedade da Neve”, quem ganha um curioso
protagonismo é Numa Turcatti (Enzo Vogrincic, parecidíssimo com Adam Driver),
justamente um dos passageiros que não chega vivo ao final –uma maneira
respeitosa de Bayona reiterar o heroísmo de todos os envolvidos e não apenas
daqueles que sobreviveram e que chegaram a ser enaltecidos pela mídia.
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