Takashi Miile é um realizador que já fez de tudo um pouco, em todos os gêneros que o cinema japonês até hoje prestou-se, entretanto, o grande barato de sua filmografia são os inúmeros filmes que não são capazes de serem categorizados. Um bom exemplo disso é este curioso “A Grande Batalha Yokai”. Grande diretor que é, Miike prontamente identifica os gatilhos emocionais da trama, arquiteta o manejo das cenas de modo que sua narrativa hipnotize de imediato o público e ainda, vez ou outra, se dá o luxo de orquestrar algum truque visual, mas durante a maior parte do tempo, a verve ácida de Miike (que já moldou obras transgressivas que beiravam o experimental) deixa mesmo o expectador em dúvidas acerca de estar ou não acompanhando um filme de fantasia infanto-juvenil (!?!).
Há em “A Grande Batalha Yokai” uma mitologia
pueril que dá o ponta-pé inicial à trama e, no mais, a alberga com certa
satisfação; há, também, o improvável herói-mirim que cai de para-quedas na
história sem saber que sobre seus ombros franzinos repousará o destino do
mundo; mas, há também, em contrapartida, uma percepção perturbadora onde as ameaças ganham contundência real
–para muito além da capacidade de impressionar os pequenos –e uma condução de
ordem cinematográfica que transforma tudo num espetáculo que merece ser levado
à sério.
No Japão, em uma comunidade rural bem distante
de Tóquio, o garotinho Tadashi (Ryünosuke Kamiki), enquanto amarga o
esfacelamento familiar com o divórcio dos pais, vive junto do avô senil, ao mesmo
tempo em que o lugarejo recebe as festividades locais e folclóricas. Lá, é
escolhido anualmente um certo Guardião de Kirin por uma das divindades
–guardião este que, por ironia, vem a ser ele próprio! –e sua tarefa é ir até a
Grande Montanha onde um duende lhe aguarda com uma espada mágica destinada ao
mais corajoso. Buscando enfrentar o próprio medo (e duvidando piamente de que
consiga tal feito) Tadashi vai até a Grande Montanha onde encontra alguns
espíritos da floresta –os Yokai –protetores que zelam pelo bem-estar do mundo e
daqueles que nele vivem pacificamente. Embora os Yokai sejam numerosos e
diversificados –e comparecem, aqui e ali, em profusão na forma de participações
especiais de atores adornados por pesada maquiagem –quatro são os que acompanham
Tadashi com maior importância em sua jornada: Ou Tengu (Kenichi Endö, de
“Visitor Q” e “Operação Corvo”, ambos de Miike), um sábio Yokai vermelho, que
lhe orienta acerca das propriedades mágicas a serem manipuladas em sua
trajetória; Kawahime (Mai Takahashi, do formidável “Godzilla-Ressurgence”), uma
sensual Yokai da água (protagonista de algumas breves cenas estranhamente
sugestivas a envolver o garoto pequeno!); o histriônico e ameaçador Kawataro
(Sadao Abe), uma espécie de tartaruga humanóide; e uma pequena bola de fogo
(gerado por efeitos digitais, ora satisfatórios, ora lamentáveis) que acompanha
a todos.
Junto dessa trupe, Tadashi, na qualidade de
Guardião de Kirin, descobre um plano maligno em andamento perpetrado pelos
vilões de plantão: Yomotsumono, uma entidade obscura surgida a partir do
ressentimento dos apetrechos descartados como lixo pelo homem, usa do poder de
seus dois lacaios, Yasunori Kato (Etsushi Toyokawa, de “A Espada do Desespero”
e “Midway-Batalha Em Alto-Mar”) e Agi (Chiaki Kuryiama, de “Batalha Real” e
“Kill Bill”) para capturar e aprisionar os Yokai, e mais tarde, convertê-los em
seres monstruosos e mecatrônicos a serviço de seu objetivo nefasto de destruir
todo o mundo florestal e subjugar o ser humano.
Extremamente referencial aos elementos
riquíssimos e exóticos (para nós, ocidentais) do folclore japonês, o filme de
Takashi Miike –um dos mais palatáveis dentre tantos que ele já realizou, embora
ainda assim preserve elementos macabros o suficiente para chocar algumas
crianças –lembra uma mescla de inúmeras fantasias juvenis como “Labirinto-A Magia do Tempo”, “Ponte Para Terabítia”, “O Mágico de Oz” e “História Sem Fim”,
ainda que traga características inerentes de seu realizador que ferem a
inocência presumida desta aventura ágil e descontraída, ainda que tétrica.
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