quinta-feira, 4 de abril de 2024

Godzilla Minus One


 Merecidíssimo vencedor do Oscar 2024 de Melhores Efeitos Visuais, o épico japonês “Godzilla Minus One”, de Takashi Yamazaki, deixa bem claro que os melhores filmes dentro do gênero ou categoria a que se propõem são sempre realizados por quem deles tem maior conhecimento: A despeito do relativo sucesso e do ocasional divertimento proporcionado por produções como “Godzilla”, “Godzilla-Rei dos Monstros” e “Godzilla Vs Kong” –apropriações inevitavelmente norte-americanas do kaiju (monstro) culturalmente oriundo do Japão –é pelas mãos dos estetas japoneses e por sua compreensão do conceito original do personagem que um dos melhores filmes de monstros chegou até o público.

Ambientado na década de 1940, num Japão arrasado do pós-guerra, “Minus One” já denota, em sua nada comercial ambientação, as reflexões um tanto inesperadas a que se propõe o mito Godzilla –aliado ao fantasma da Segunda Guerra Mundial, o filme coloca o famoso monstrengo como uma metáfora das terríveis repercussões radioativas vivenciadas pelo cidadão comum e, neste caso específico, um adversário tornado físico e palpável (ainda que em diversos momentos implacável) a representar o temor da derrota.

Quando “Minus One” começa acompanhamos a jornada de vergonha e resignação do piloto kamikase Shikishima (Ryünosuke Kamiki, o garotinho de “A Grande Batalha Yokai”) cuja covardia o impediu de encerrar a própria vida em ação, como ocorrera com seus colegas, mas que, em vez disso, o levou a refugiar-se, com rabo entre as pernas, numa ilhota do Pacífico onde reparavam aviões. A mesma ilha que, horas mais tarde, é devastada pela aparição de um ser de dimensões pré-históricas.

Os aldeões locais o chamam de Godzilla –e assim, sem maiores preocupações em estabelecer origens e explicações que pouco influenciam na narrativa, o filme de Yamazaki coloca seu monstruoso antagonista em cena, deixando que as próprias considerações de cada expectador estabeleça os paralelos de alegorias, razões, objetivos ou significados (ou nada disso), materializando-o num designer que une o classicismo retrô do Godzilla original da Toho Studios com uma anatomia visualmente sofisticada possibilitada pelos efeitos especiais de última geração.

Escapando quase milagrosamente com vida, Shikishima volta para o continente onde encontra a cidade de sua família (assim como boa parte do país) destruída pela guerra, e agora diante de uma ainda vã esperança de reconstrução. Junto de uma jovem, Noriko (Minami Hamabe), que adotou um bebê orfão, ele reergue a casa onde seus pais moraram –convertida num barraco de favela –e passa a trabalhar num pequeno barco de madeira cuja tripulação ganha a vida encontrando e desativando minas marítimas.

Alguns anos se passam, enquanto Shikishima, Noriko e a criança acabam se tornando uma família, mas dois elementos nunca deixam de assombrar Shikishima: Um; a sua falha como kamikase, um detalhe que ele, envergonhado, luta para omitir de todos os que se aproximam dele; e o outro, a visão sempre ameaçadora do assustador Godzilla.

De certa maneira –e com insuspeita perícia da parte de seu roteiro –são esses dois tormentos que retornam, um atrelado ao outro, para colocar Shikishima e sua ombridade à prova mais uma vez: Sem que o Japão tenha qualquer auxílio bélico dos EUA (impedido por uma série de entraves políticos com os soviéticos), a criatura Godzilla emerge novamente do fundo do Oceano Pacífico, desta vez, ainda mais crescida depois de todos os anos transcorridos, e ruma para o arquipélago do Japão, disposto a transformar as suas cidades costeiras em pó.

Para a população japonesa, e suas cidades submetidas à terrível provação da Segunda Guerra Mundial, a chegada de Godzilla é mais do que uma simples calamidade –é uma catástrofe que vem somar-se a outra ainda não superada; uma tragédia por meio da qual o país, cujas circunstâncias já o tinham levado à estaca zero, foi colocado ao nível menos um (‘minus one’). Já, para Shikishima, e o carismático grupo de coadjuvantes que o cercam, todos empenhados num plano de contingência para aplacar o implacável Godzilla, a aparição do monstro reflete a oportunidade para trilhar um novo caminho de redenção, onde está em jogo a possibilidade de, uma vez mais, ele sacrificar-se por aqueles que ama.

Brilhantemente realizado, dirigido, concebido e interpretado, “Minus One” surpreende o expectador por adotar uma trama que, mesmo nos momentos em que não se concentra na sua estrela principal (o monstro gigantesco destruidor de prédios) ainda assim consegue impressionar, envolver e satisfazer –inclusive lançando mão de uma contundente reflexão sobre o código moral dos kamikases em oposição ao conceito do valor à vida –entretanto, é quando entra em cena sua maior atração e as cenas de destruição que, por definição, ele protagoniza é que “Minus One” diz, de fato, a quê veio: O filme de Yamazaki, com suas sequências primorosas de destruição em larga escala (feitas, dizem, com baixo orçamento!) conseguem simplesmente colocar no bolso todas as produções já feitas até hoje a envolver o lagartão Godzilla, incluindo aí as endinheiradas e ostensivas realizações norte-americanas.

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